A morte inglória

A modelo, atriz e guerreira brasileira Thalita do Valle encontra o seu destino de maneira inglória, ao lado de mercenários e lutando por um causa dantesca: a Ucrânia atormentada por Azov, Aidar, Pravy Sektor e outros delírios.

Por: César A. Ferreira

No dia dois último chegou a notícia de que dois brasileiros que foram lutar na Ucrânia haviam morrido em função dos combates, o nome de um deles, todavia, causou num grupo seleto de pessoas que comentam assuntos militares, no qual este escriba se insere, consternação e estranheza: Thalita do Valle.

Thalita era mulher altiva e incansável. Como fácil de ver em todas as matérias que pululam a seu respeito, ela fora guerreira, enfrentou o Estado Islâmico[1] no Curdistão Iraquiano. Socorrista, atuou como voluntária no resgate de pessoas e animais nos desastres ambientais provocados pelos rompimentos das barragens de rejeitos minerais de Mariana e Brumadinho. Ativista, era defensora dos animais em especial da raça de cães Pitbull, para ela vítima do crime organizado que promove rinhas de cães. Inquieta, procurou a formação acadêmica em Direito, fora antes atriz e modelo. De modo resumido, esta era Thalita do Valle, brasileira, 39 anos.

A história desta guerreira, como podemos ver foi intensa. Desembarcou no Curdistão Iraquiano para trabalhar como socorrista, logo foi treinada para manusear fuzis, como autodefesa, momento em que o seu talento foi observado pelos instrutores. Treinada para tiro de precisão, camuflagem, orientação, escolta e deslocamento em combate, Thalita atuou no front iraquiano contra o Estado Islâmico defendendo a milícia Peshmerga[2], esteve também na Síria em apoio as formações do YPJ[3]. Atuando como franco atiradora, “sniper”, foi agraciada com o cobiçado título de “ISIS Hunter”. No Brasil, procurava manter as suas habilidades militares em dia, não só frequentava clubes de tiro, mas procurava aprimorar as suas capacidades de luta com armas brancas. Preocupava-se com a sua aptidão física, treinava com afinco. Ela teve enquanto no Iraque contato com instrutores norte-americanos, dado que os EUA são aliados da liderança curda de Erbil[4]; havia mulheres dentre os instrutores (USARMY & US Marines), algo inspirador.

Aqui chegamos na Ucrânia, onde a estranheza cobra a sua estada. Dentre todos os brasileiros presentes naquele teatro de operações, poucos poderiam exibir um currículo como o de Thalita. O fato do Brasil ser um país com quase todos os contenciosos de fronteira resolvidos por via diplomática até o início do século XX, acabou por não proporcionar conflitos entre estados que o envolvesse, com exceção da Primeira e da Segunda Grande Guerra, esta última com a presença de duas formações divisionárias que compunham a Força Expedicionária Brasileira, que combateu em solo italiano entre 1944 e 1945. Como se pode perceber resta aos brasileiros obter a sua experiência de combate no exterior, notadamente alistando-se na Legião Estrangeira da República Francesa, ou nas armas norte-americanas, onde é costume o alistamento com o intuito de se obter cidadania. No Brasil a experiência militar se resume a servir no Exército Brasileiro, força que por vezes envia destacamentos para participar de forças para imposição da paz sob a égide da ONU, ou na vida profissional como policiais, no combate ao crime organizado, em especial na Cidade do Rio de Janeiro, onde enfrentamentos com gangues de traficantes e milicianos são comuns e intensos, oferecendo experiência de confrontos em ruelas, becos estreitos e construções irregulares, típicas de um ambiente urbano densamente construído.

Neste contexto entende-se o vigor com que ela insistiu para ir ao front, desligando-se das atividades de socorro para participar dos combates. A permissão foi dada, afinal, o currículo dela gritava. Aqui começa a estranheza, pois se é verdade que ela era vibrante e guerreira, a causa e a companhia não lhe casavam com o espírito. A causa como sabemos é a defesa de um regime político que quer manter territórios ao leste do Dnieper a custa do interesse dos moradores locais e imbuído do sentimento de superioridade moral e racial, tipicamente nazista, fato este representado por formações que adotam símbolos das antigas “Waffen SS” como parte dos seus brasões, falo aqui do “Azov”, “Pravy Sektor”, “Aidar”, “Tornado”, “Kraken”, entre outros. A companhia é a de mercenários brasileiros, todos eles de extrema-direita, bolsonaristas, machistas, anticomunistas delirantes, adoradores de Trump e dos EUA, espalhafatosos e boquirrotos, que muito mais preocupados estão em aparecer no Instagram do que em lutar, tal como o afamado “Rambo de Hotel”, Leanderson Paulino[5], que diga-se, retornou ao Brasil. Já ela, bem mais discreta, apesar da proximidade com instrutores dos EUA no Iraque, era crítica à política deste país no Oriente Médio; feminista, não nutria simpatia alguma pela figura de Jair M. Bolsonaro. Como é possível que uma pessoa que combateu o sectarismo do Estado Islâmico vá defender em armas o sectarismo ucraniano? Só por estar na… Europa? Teria a massiva propaganda ocidental influenciado o julgamento de Thalita? Impossível responder, especular não ajuda…

Basta saber que ao contrário do que adoram bradar os mercenários brasileiros, não tivera Thalita e o grupo de combate na qual ela estava engajada, possibilidade de influir ou causar qualquer diferença nesta guerra. Estava ela e os seus companheiros de armas, um grupo formado por brasileiros e latino-americanos, notadamente colombianos, em campo nos arredores de Kharkov, quando buscaram abrigo numa casa abandonada. Esta casa começou a ser alvejada por projeteis de artilharia, reportados como sendo de morteiros, forçando o grupo de combate procurar proteção num bunker existente na casa abandonada. O incêndio decorrente do bombardeio fez com que o bunker doméstico fosse tomado pela fumaça, o que provocou debandada total dos combatentes. Thalita não saiu. Douglas Burigo[6], o outro combatente brasileiro retornou para retirá-la, quando foi alvejado pela segunda salva de granadas provenientes da bateria inimiga de morteiros. Douglas morreu com a explosão. Já Thalita foi encontrada sem queimaduras, no fundo do bunker, coberta por uma lona com a qual tentou se proteger do incêndio. Até o último momento tentou sobreviver, mas a fumaça era intensa e acabou por sufocá-la. No alto, corrigindo em tempo real o fogo de bateria, pairava um quadricóptero Mavic, que tudo registrava…

E assim Thalita encontrou o destino como combatente. Vestindo uma farda é verdade, porém que não lhe cabia. De combatente heroica da causa curda, o destino a encontrou como mercenária. Ainda que esses 39 anos tenham sido bem vividos esta morte não lhe faz jus, afinal, foi uma morte inglória em defesa duma causa falida.


Notas

[1]: EI – Acrônimo para Estado Islâmico em língua portuguesa. ISIS – acrônimo em língua inglesa para Islamic State Of Iraq And Syria.

[2[: Peshmerga: termo derivado do dialeto curdo, significa “os que enfrentam a morte”. Este termo é reservado para a milícia da cidade de Erbil, cidade que é capital do curdistão iraquiano, região semiautônoma do Iraque.

[3]: YPJ – Yekíneyên Parastina Jin, em português – unidade de proteção das mulheres. Braço militar feminino do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão). Não se subordinam à milicia de Erbil.

[4]: Erbil – Capital da região semiautônoma do curdistão iraquiano.

[5]: Leanderson Paulino – brasileiro, 27 anos. Ex-militar do 72º Batalhão de Infantaria Motorizado. Alistado como mercenário da Legião Estrangeira da Ucrânia, ficou famoso por se deixar fotografar fardado e equipado com constância nos salões dos hotéis ucranianos. Mercenários ingleses o alcunharam de “Rambo de Hotel” (ing. “Hotel’s Rambo”).

[6]: Douglas Burigo – brasileiro, 40 anos. Mercenário na Ucrânia, morreu ao tentar salvar Thalita do Valle. Tinha como experiência militar apenas o período de quatro anos de serviço no Exército Brasileiro. Relatou em mensagem para parentes o receio de não sobreviver em função da brutalidade da artilharia russa.

Turquia força violação do cessar fogo na Síria

Por: César A. Ferreira

A Turquia, movido pelo desespero frente ao desabar dos seus interesses em território sírio, perdeu todo o pudor possível passou a apoiar, de modo franco, a invasão da Síria a partir do seu território por extremistas da international jihad filiados ao Estado Islâmico. A ação se deu na data de 28 de fevereiro ultimo. Aproximadamente 100 dos combatentes do terror invadiram o território  fronteiriço curdo, especificamente a cidade de Kobane, palco de intensos combates entre 2014/2015, formando uma pinça que visava a cidade pelo norte e sul, com apoio de fogo de artilharia de campanha (155 mm) provindo da Turquia, fornecido, por óbvio, pelo exército turco.

O referido ataque foi sustado pelos defensores, resultando em aproximadamente 70 extremistas mortos, segundo informantes curdos. Apesar de a incursão ter sido dominada, ela ganha importância por ser um ataque de militantes do EI efetuado com explícito apoio turco contra um bastião do YPG/YPJ, grupo armado curdo que conta com apoio dos EUA. A artilharia turca faz com constância fogo contra localidades fronteiriças sírias, caso de Kobane, Tel Abyad e proximidades de Az’ az, portanto, percebe-se, que para ser alvejada uma determinada localidade, o critério único adotado pelos turcos é estar esta mesma localidade em mãos dos combatentes curdos. Todos os demais fatores são secundários.

O apoio da artilharia de campanha turca foi denunciado pelo Chefe do Centro Russo Para Reconciliação de Beligerantes, Tenente-General Sergei Kuralenko, segundo este oficial, a informação do apoio de fogo da artilharia turca os insurgentes provindos da Turquia foi verificada e confirmada através de vários canais, inclusive por “representantes das forças democráticas da Síria”. Segundo outro informante, Redura Khelil, representante curdo para contatos com a imprensa, os defensores curdos “foram capazes de repelir o ataque, sendo os agressores cercados e destruídos”. Não houve citação alguma sobre baixas curdas.

Síria: as próximas horas podem ser cruciais

Por: César A. Ferreira

Com o avanço das forças curdas, após a tomada da base aérea de Menagh, em direção à Az’az, o desespero abateu-se sobre as lideranças turcas: sem cerimônia alguma fizeram fogo de bateria contra as posições curdas e do Exército Árabe da Síria, que respondeu fazendo fogo de contra-bateria.  As ações curdas, após a conquista da Base Aérea de Menagh foram rápidas, dado que de imediato assaltaram Kafr Khashir e dirigem-se, agora, para Kafr Kalbeen, enquanto que ao norte de Az’az, assaltaram Qastal Jindu com o eixo em direção à Salameh. Caso haja inflexão dos eixos de progressão haverá um cerco a cidade fronteiriça de Az’az, importante entroncamento das vias de comunicação entre a Turquia e a Síria, portanto, importante base logística das espoliadas forças do Exército Livre Sírio e da Frente Nusra. A queda de Az’az significaria a eliminação virtual destes dois grupos insurgentes na frente de Aleppo, restando para combater apenas o EI, o qual, diga-se de passagem, foi obrigado a abandonar a Central Termoelétrica de Aleppo Oriental frente ao avanço da Força Tigre, tropa de elite do EAS.

Não deixa de ser sintomático, que hospitais tenham sido atacados, com a culpa, era de se esperar, sendo debitada aos russos. Não fosse o fato de que o pequeno grupamento aéreo da Rússia não ter seu histórico ataques contra a infraestrutura civil da Síria, com a exceção notável dos campos de exploração de petróleo em mãos do EI, poder-se-ia acreditar, no entanto, em meio ao visível estado de aflição histriônica demonstrada pela Turquia, bem como pela associada Arábia Saudita, com a eminente derrota dos grupos jihadistas ao norte de Aleppo, isto aliado ao anunciado aporte de bombardeiros da Força Aérea do Reino em Incirlik, faz com que este escriba tome para si a suspeição, forte, de que a responsabilidade dos ataques aos hospitais deveram recair com maior propriedade sobre as asas da Força Aérea da Turquia, ou dos aliados próximos, USAF e KSAF (Força Aérea do Reino da Arábia Saudita – ing); ademais, é bom lembrar, que a cidade de Aleppo, e adjacências, tivera a sua infraestrutura atacada anteriormente pela coalizão ocidental, caso da estação de captação e tratamento de água, cuja destruição obrigou os moradores a buscarem o recurso diretamente no Eufrates, com o risco de contraírem o bacilo da Cólera, caso venham a ingerir sem dar-se à fervura das águas retiradas do rio.

A exasperação turca dá-se por conta da concretização da agenda curda, pois o avanço curdo possui a intenção explícita de viabilizar um corredor territorial entre Kobane e Sarrin, ou seja, do oeste ao leste. Ainda que o nascimento de um estado curdo na região não faça parte dos planos de Assad para a Síria, dado que este nasceria à custa do Estado Sírio, prevê-se a concessão de uma autonomia ampla, algo que por certo se dará. Isto é entendido por Ancara como um embrião de um processo inexorável, que nas mentes turcas resultará na criação do Curdistão como estado nacional, que levará todo o leste da Turquia. Convenhamos, quando líderes nacionais deixam-se levar em suas mentes por fantasias tenebrosas, em meio ao desabar do seu castelo de cartas na forma das suas ambições territoriais, boas coisas, com certeza, não podem sair. Compreende-se, pois, o aviso emitido hoje, 16 de fevereiro de 2016, de que nas próximas 24 horas a Turquia realizará a invasão territorial da Síria. Basta esperar para ver se não se trata de um blefe.

Blefe, ou não, tomam os russos as suas medidas. Tendo constatado que quase todo o 2º Exército Turco se encontra estacionado junto à fronteira, formando não menos que 18.000 homens, valor de uma Divisão, como tropas operacionais, isto é, sem contar com o efetivo de apoio logístico, apontado para o eixo de Az’az, realizaram os eslavos uma verdadeira ponte aérea através da rota do Mar Cáspio, onde dois dos imensos cargueiros AN-124 foram avistados, descarregando material bélico na Base Aérea de Hmeimeem. Outro meio cuja presença não pode deixar de ser notado é composto pela aeronave SIGINT Tu-214R. Este avião para coleta de dados eletrônicos, de comunicações e de emissões, reflete que o comando russo espera uma mudança brusca do patamar do confronto havido na Síria, de um conflito contra forças insurgentes, portanto irregulares, contra uma força treinada e dependente de coordenação centralizada, portanto, emissora de sinais, comandos, caso de uma força regular, em suma de um Exército Nacional. A aeronave, de maneira elucidativa, não só seguiu a rota do Mar Cáspio, como fez também um desvio, sobrevoando boa parte do território iraquiano, afastando-se ao máximo da fronteira turca, adotando desta forma uma rota previdente contra a possibilidade de uma emboscada área por parte da THK (Força Aérea da Turquia – tur). Ademais, os porta-vozes das forças armadas sírias deixaram bem claro que, caso haja penetração na fronteira, darão combate às forças turcas as quais irão considerar, com razão, como forças invasoras. Vê-se claramente que as próximas horas serão decisivas para o desenrolar do drama de Aleppo. Para os expectadores resta aguardar.

Aleppo: ponto de inflexão da guerra Síria?

Por: César A. Ferreira

A atitude do ocidente, encimados pelos lamentos da Chanceler germânica Angela Merkel, é elucidativa, lamentos pela iminente derrota das forças insurgentes em Aleppo, disfarçada de preocupação para com os refugiados, preocupação, diga-se, inexistente nos anos anteriores. Em outras palavras, prova maior do alinhamento ocidental com os insurgentes não poderia haver… Independente disto segue a guerra, pessimamente coberta pela mídia do ocidente, brasileira inclusa, omissa quanto aos esforços sírios e russos, em prol da existência da Síria, como nação.

Ao que parece, mesmo em meio ao desespero que a perda de Aleppo possa significar, ou seja, a perda de uma cidade que é um nó logístico vital para o norte e centro da Síria,  baixou nas mentes ocidentais um discernimento mínimo. A proposta ventilada de invasão turca da Síria, parece ter sido substituída por uma invasão terrestre de tropas dos Emirados Árabes Unidos e do Reino da Arábia Saudita. Com isto, evita-se o problema quase incontornável de se ter um membro da OTAN adentrando a um campo de batalha onde vetores russos estão presentes e atuantes. Ademais, pode-se dizer com toda certeza, que os insurgentes são, antes de tudo, uma obra do CCG – Conselho de Cooperação do Golfo…

Não deixa de ser interessante, entretanto, que tanto a Arábia Saudita, quanto os Emirados, atolados no confronto contra o paupérrimo Iêmen, onde suas forças regulares demonstram péssima prontidão e desempenho, se prestem a enviar efetivos superiores a 150.000 combatentes para a Síria, para enfrentar um exército calejado, e suportado pelo atuante grupo aéreo russo. É algo para se pensar, afinal, o contingente árabe, caso enviado, certamente iria engrossar, sem que isso viesse a surpreender qualquer um dos atores da guerra síria, as forças insurgentes. Isto seria o álibi perfeito para que o Irã pudesse enfrentar os sauditas abertamente, ou seja, o envio de forças regulares do reino saudita se refletiria na concretização de uma resposta persa, na forma do envio dos Pasdarán (Guarda Revolucionária Iraniana). Em suma, um agravamento do conflito, que arrastaria os dois contendores regionais: Arábia Saudita e o Irã; é uma impressão minha, ou isto não seria o sonho dourado dos fabricantes de armas, do mercado de petróleo e afins?

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Combatentes curdos do YPG/YPJ dentro de Dayr Jamal. Imagem: internet.

Independente disto, o Exército Árabe da Síria não perde tempo, em conjunto com os seus aliados, a milícia libanesa Hezzbolah e as forças curdas do YPG/YPJ, dão combate sistemático aos insurgentes, sem trégua, nos limites das suas forças.  Ao norte de Aleppo o avanço curdo culminou na conquista da importante localidade de Dayr Jamal, importante entroncamento viário, cuja tomada forçou os insurgentes a se dirigirem do entorno de Kiffin, para Kafr Nayah. Kiffin já é um alvo das tropas do Exército Árabe da Síria, que persegue este destino provindo do sul. Dar combate em Kiffin não é para os insurgentes uma posição confortável, posto que estão desequilibrados pela sombra dos combatentes curdos em Dayr Jamal. Assentar-se em Kafr Nayah, como linha de resistência, tampouco, posto que o eixo subsequente do avanço das formações do YPG/YPJ aponta, justamente, em direção de Taall Rifat, localidade de grande importância e mais distante. Postar-se em Kafr Nayah seria uma posição de custosa defesa, visto que poderia sofrer um acosso por eixos diferentes: Khirbat al Hayat e Dayr Jamal.

Outra localidade capturada e de grande importância tática é Maraanaz, que juntamente com as também recentemente capturadas Al Alqamiyeh e Ajar, permitiriam uma mudança do eixo ofensivo, infletindo as forças provindas de Al Alqamiyeh/Ajar, aquelas de Maraana em um ponto convergente: a base aérea de Minaq (Menagh). É importante lembrar que o encontro das forças do EAS – Exército Árabe da Síria, com aquelas da milícia Hezzbolah, havido na captura das localidades de Niblo (também traduzida como Nubbol, Nubbal, ou Nübel) e Zahran (também nominada como Al-Zahraa, Zaharan, ou az-Zakhra), que se deu dias atrás, foi o ponto nevrálgico desta ofensiva, pois cortou a via de acesso logístico que ligava a Turquia à Aleppo. Neste presente momento, o EAS e o Hezzbolah, alargam o corredor compreendido entre Niblo e a cidade industrial de Sheik Najjar, enquanto avançam no eixo de Kafr Nayah.

O eixo do avanço em direção a Kiffin, desequilibra a posição insurgente em Kafr Nayah, abrindo caminho para Taall Rifat, que seria, então, um objetivo perseguido por duas frentes, a do exército, provindo do sul e do YPG/YPJ, que se lançaria a partir de Dayr Jamal. O objetivo final seria Azaz, nodo logístico importante para o abastecimento de todas as frentes insurgentes ao norte de Aleppo.

Na região próxima a Aleppo, propriamente, espera-se a formação de dois pequenos cercos, um deles formado a partir da conquista da base de Kuweires, com uma ponta Barlehiyah e a outra pinça provinda de Shamir, ambas convergindo em Suran. Esta ofensiva deverá ocorrer nas próximas horas…

Outra, cuja execução seria de extremar dificuldade, necessitaria da conquista de Ard Al Mallah, tendo o ponto de convergência em Kafr Hamra, com a outra pinça partindo da cidadela de Aleppo… Percebe-se, pois, a dificuldade da execução, pois a pinça que partisse de Ard Al-Mallah teria o seu flanco muito exposto, e a aqueles da cidadela de Aleppo teriam uma frente urbana marcada por edifícios destruídos, ou semi-destruídos, como obstáculo defensivo a ser vencido ante a arrancada. Em suma, o mapa lhe diz uma coisa, o terreno outra.

Entende-se o desespero ocidental…

Atenção: entre a redação desta matéria e a publicação deu-se a queda de Kiffin. A localidade foi capturada por ação empreendida pela 154ª Brigada do Exército Árabe da Síria, em conjunto com a 4ª Divisão Mecanizada, ambas as formações apoiadas por infantes da milícia Hezzbolah. A 4ª Divisão Mecanizada é uma formação histórica do EAS, com um histórico de combates que vai do Líbano ao Golan. Além disto, a ação que visa o cerco a partir de Barlehiyah, já se iniciou.

Avanços sírios impõem aos turcos opções desesperadas

Por: César A. Ferreira

O desenrolar das ações do Exército Árabe da Síria ao norte do país, com vigorosa assistência do grupo aéreo russo, retira, uma a uma as opções turcas no tocante à guerra por procuração que move na Síria, com os seu agentes turcomanos e coligados da al-Qaeda, leia-se al-Nusra, Exército Livre Sírio e Estado Islâmico. A queda das cidades de Nublo e Zahran, trazem grandes consequências para as forças insurgentes, afora o contexto simbólico desta vitória, posto que eram cidades perdidas há mais de três anos. As forças insurgentes, mais uma vez, sofreram revezes de monta, onde fez-se decisiva a presença dos ataques aéreos demandados pelo agrupamento russo e pela Força Aérea Árabe da Síria.

Estas cidades, agora firmemente em mãos governamentais, vedam mais um corredor para abastecimento logístico para Aleppo, onde a cada dia que passa se enfraquecem as posições insurgentes frente àquelas do governo reconhecido da Síria. O foco, agora, dá-se no entorno de Azaz, justamente por ser um entroncamento importante para o abastecimento de Aleppo. Comboios turcos são sistematicamente bombardeados nas estradas próximas e caso haja a queda da localidade, restará apenas os corredores de Reyhanli e Idlib. É desnecessário dizer que quanto menores forem as rotas logísticas, mais fácil será a tarefa do poder aéreo russo na região, que é a de estrangular o esforço logístico dos grupos insurgentes na fronteira norte da Síria.

A Turquia vê com o avanço das forças do Exército Árabe da Síria, e dos grupamentos curdos do YPG/YPJ, junto aos entroncamentos viários da fronteira sírio-turca como o golpe mortal na sua propalada “zona de segurança para refugiados”. Além do mais, vê-se obrigada a assistir que contendores com os quais jogava, caso dos EUA e da Rússia, venham agora a abastecer os combatentes curdos, nas franjas fronteiriças, sem que tenha voz ativa contra tal movimento.

No tocante aos EUA, estes cumprem com o seu plano, não divulgado, mas à vista de todos, de fragmentar a Síria, onde um estado curdo teria o seu lugar natural, enquanto os russos passaram a apoiar um aliado interessado em dar combate aos insurgentes que lhe são hostis, cuja sobreposição de interesses ganhou um impulso grande, quando da atitude turca de abater o bombardeiro Su-24M2. Grandes consequências de um gesto impensado, visto que desde tal abate não houve outra coisa que não fosse o acelerar do avanço governamental. O fato de armar, largamente, os combatentes do YPG/YPJ, vir a constituir na concretude de um estado nacional curdo, parece ser nos cálculos russos e sírios como algo aceitável, em vista do combate mortal com os insurgentes, onde a necessidade extrema de infantes torna-se imperiosa.

Para a Turquia, pouco resta…

Dado que agora, existe uma bateria do Sistema S-400, na base aérea de Hmeymim , além de dois elementos de caças Su-35S, equipados com mísseis R-73E, R-27ET, além do novíssimo RVV-SD, restam aos turcos a atitude do confronto aberto com a invasão do território sírio, posto que a guerra por procuração entra em colapso, bem como a sonhada “no fly zone”, algo que de concreto pode-se dizer que existe, mas com as cores russas…

O desespero turco acentua-se, justamente, com a corrida das forças curdas para o oeste. Caso haja o sucesso do YPG/YPJ em liberar Marea, restará à Turquia a ligação logística através de Bab al-Hawa e de Idlib, mas estas, como dito antes, submetidas à interdição aérea russa.  Que não haja enganos, o discurso está pronto: salvar a minoria étnica turca, os “turcomanos” da Síria, contra o “massacre” perpetrado pelos curdos, “facínoras”, coadjuvados pelos odientos russos. Compra quem quiser.

O cenário está montado, portanto, para um confronto de forças convencionais. Entende-se, pois, a retórica saudita, de “estarem prontos” para participar de uma eventual invasão terrestre da Síria, quando se encontram atolados no Iêmen, para dar cabo do “Estado islâmico”. Ora, ora, existem tolos tão tontos assim? A invasão, sabem até os mais parvos, servirá para pavimentar a fragmentação da Síria e garantir, dentre os novos estados a nascer desta quebra, os chamados “Sunistões”, a existência. A questão é: a Síria vale à pena? Vale a ponto de levar o mundo a assistir a um confronto direto entre a OTAN e a Rússia, o que equivale dizer a um confronto nuclear? As respostas estão com o tempo… Um professor rigoroso.

Rússia realiza 311 surtidas em 11 dias

Por: César A. Ferreira

A mídia brasileira, notadamente aquela não especializada, tende a refletir e emular a mídia empresa do ocidente, motivo este que explica a ausência do esforço russo na síria, passado o impacto inicial das primeiras e espetaculares ações. Entretanto, repete, vez por outra, as ações da USAF, ou dos Rafales da Armée de l’ Air, ou da Marine Nationale. É de assombrar que tão parcas ações tenham tamanha repercussão, mas compreensível, quando lembramos que a preguiçosa mídia brasileira se compraz em reproduzir as notas da Reuters, AP, UPI, DW, FP…

Motivo outro não há, portanto, para a ausência da notícia última sobre a guerra na Síria, no tocante ao que envolve o efetivo aéreo da Federação Russa desdobrado na Síria, notadamente na base aérea de Hmeymin. O informe destaca, simplesmente, que nestes primeiros 11 dias de 2016, a VKS, Força Aeroespacial da Federação Russa, realizou nada mais, nada menos do que 311 surtidas que resultaram na destruição de 1097 alvos e instalações de insurgentes extremistas islâmicos em território sírio. Isto resulta em uma média de 29 missões diárias, o que para um efetivo reduzido como é o russo corresponde a um feito notável.

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Su-24M2 com Afterburner ligado rola pela pista para dar início a mais uma surtida noturna. Foto: internet.

Dentre os alvos, o Estado Maior da VKS listou as instalações para refino e estocagem de óleo cru, infraestrutura em poder dos extremistas insurgentes, tais como depósitos e pátios, locais de concentração de combatentes e de caminhões cisternas, bem como de equipamentos militares. Segundo informações do Tenente General Sergei Rudskoy, as armas do Exército Árabe da Síria efetuam neste momento uma ofensiva vitoriosa em cinco províncias, a saber: Latakia, Aleppo, Homs, Hama e Raqqa. O número de localidades libertadas, cidades, vilas e vilarejos, somam mais de que 150.

O Exército Árabe da Síria, em conjunto com unidades aliadas do Hezzbolah, além de um número não especificado de voluntários iranianos, aos quais agregam as forças curdas do YPG/YPJ, estas últimas notadamente ao norte, realizam operações distintas em várias partes do país. Na província de Latakia, o objetivo principal foi a conquista e ocupação das elevações características do local, que dominam as vias de acesso em direção à fronteira com a Turquia, bem como o avanço em direção a fronteira propriamente dita, selando assim a passagem fronteiriça e desta forma asfixiando naquela área o fluxo de abastecimento dos insurgentes. O objetivo estratégico e comprimir e cercar as forças inimigas de encontro com as tropas curdas, mais além. Na província de Allepo, segue o grande movimento de pinça ao sul da cidade do mesmo nome, enquanto os combates prosseguem na zona urbana com vistas a aumentar a =área em poder governamental, já na província de Homs, o destaque ficou por conta da retomada da cidade de Mahrin.

Outro dado interessante é o aumento de efetivos do Exército Árabe da Síria. A partir do início da intervenção do efetivo aéreo da VKS houve de maneira crescente, mas contínua, um engrossar de fileiras nas forças governamentais. Além da Brigada de soldados cristãos, outra brigada, esta de mulheres combatentes, foi formada. Ao que parece, a injeção de ânimo provocada pela presença russa foi primordial, para que jovens sírios passassem a vislumbrar a possibilidade de vitória contra a barbárie, e desta maneira trocar a fuga pela luta.

Para quem não tem ideia de quão pequena é a presença russa, segue uma lista do efetivo aéreo:  8 aeronaves SU-24M, e 3 aeronaves SU-24M2, 10 SU-25 SM, 2 SU-25 UM, 4 SU-30 SM, 4 SU-34 (acrescidos de outros seis), 12 helicópteros de ataque modelo Mi-24P  (acrescidos de unidades Mi-35M)e 3 Mi-8 AMTsh.  Para se ter uma ideia mais ampla, pode-se visitar a matéria O Esforço Russo na Síria.

Isso e nada mais.

Para se ter uma ideia mais ampla, pode-se visitar a matéria O Esforço Russo na Síria.

Os curdos renegados do Estado Islâmico

Por: César A. Ferreira

Toda história tem dois lados, duas vertentes, narrativas contraditórias, dispersas, poucas vezes convergentes, mas que na maior parte das vezes espelham-se, ou se sobrepõem. O conflito sírio, complexo, não linear, nos brinda com acontecimentos e eventos acima de qualquer concepção ficcional, e como tal, tem-se o caso anacrônico dos membros curdos da jihad.

Os curdos, povo de origem centro-asiática, caucasianos, que lutam por séculos em prol de uma pátria, do solo que lhes permitam serem reconhecidos como Estado-Nação, pelos demais estados do globo. Altivos e ferozes como guerreiros, laicos, ou bem perto disso, igualitários a ponto de terem mulheres em suas fileiras combatentes em pé de igualdade com os homens, possuem também eles, elementos dissidentes, que neste caso, especificamente, significa a adesão aos grupos extremistas islâmicos de orientação wahabbita. Portanto, são curdos que combatem curdos, dado a situação da região.

Agregam-se, principalmente ao Estado Islâmico, outros poucos, a Al-Nusra. São acompanhados de perto pelos líderes curdos, que se informam da forma que podem sobre estes terroristas convertidos. O Governo Regional do Curdistão (KRG) esforça-se para rastrear um número restante de 70 terroristas,  oriundos da adesão anterior de aproximadamente 500 combatentes ao Estado Islâmico, sendo que deste número, cerca de 270 foram mortos em combate contra as forças Peshmerga e combatentes do YPG/YPJ, bem como outros 150, que se renderam aos seus compatriotas. A rendição, neste caso é bastante interessante, dado que se rendem aos seus antigos compatriotas, sendo que o inverso, caso viesse acontecer, não se daria com a detenção, mas com a execução..

Em entrevista cedida ao órgão informativo “Bas News”, o Chefe de Mídia e Comunicação do Ministério de Assuntos Religiosos, Marivan Naqshbandi, afirmou a ocorrência de uma execução de combatentes da jihad, cerca de 31 terroristas agregados ao Estado Islâmico, pelas forças de segurança deste mesmo califado, sob a alegação de serem “espiões” que estariam a colaborar com as forças de seguranças curdas, bem como com forças estrangeiras (iraquianos, sírios, russos e americanos). Um destino assaz irônico, diga-se, para quem traiu o seu povo.

Como informado, restam cerca de 70 a 80 combatentes curdos nas fileiras do Estado Islâmico, a maior parte já veterana de combates, posto que o período de grande adesão de curdos ao EI deu-se em 2014. Ainda assim não se distinguiram em combates, a ponto de gerar algum herói midiático, ou de angariarem respeito por ações extraordinárias em combate. Ao que parece, os curdos valentes se encontram do outro lado da cerca, onde não existem 72 virgens à espera.

As valentes mulheres combatentes curdas

Por: César A. Ferreira

Deu-se que não havia muito que fazer. A situação do pequeno grupo de combate, composto apenas por mulheres era desesperadora, desprovidas de água, ou qualquer espécie de víveres, pouquíssimas granadas, sem RPG algum que fosse, munição no fim, quase esgotada, isoladas e sem esperança de fogo de cobertura. A posição tornara-se insustentável, como bem sabia a comandante daquele desgraçado grupo feminino, a experiência de combate que já era muita para um corpo tão jovem assim lhe dizia. A regra da guerra manda que em tal situação a rendição se imponha, todavia, o inimigo do outro lado da colina era bem conhecido, e o destino que as aguardava, bem sabiam as valentes guerreiras, seria pior do que a morte.

O grupo de combate havia lutado bem, segurado um ponto importante por dias. A comandante, bela mulher e mãe de dois filhos, Deilar Kanj Khamis, conhecida pela alcunha de Arin Mirkan, por conhecer bem a psicologia do inimigo, concebeu um plano cujo resultado não poderia prever, mas que por certo permitiria uma pequena chance para as suas comandadas debandarem-se em fuga na direção das linhas curdas. O plano era simples: solicitar uma trégua para negociar a rendição das suas comandadas, mas, portando discretamente explosivos em seu corpo, para então detoná-los quando estivesse cercada de combatentes inimigos. A ideia era que a sua imolação viesse a permitir a fuga das demais combatentes curdas devido a distração proporcionada.E assim se deu, Arin MIrkan anunciou a intenção de ser render, caminhou até as linhas próximas dos militantes que as assediavam e quando viu-se cercada por mais de duas dezenas de curiosíssimos militantes da jihad, explodiu-se! Na época apontaram 10 islamitas mortos, mas hoje se sabe que a contagem é de 23… As suas comandadas empreenderam fuga, cuja sorte foi diversa, algumas sobrevivendo para combater outro dia, outras, vitimadas pelas balas inimigas.

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Arin Mikan, heroína curda que realizou auto – sacrifício em benefício das suas comandadas. Foto: internet.

O interessante da história de Arin MIrkan não é apenas o seu heroísmo, ou o fato de ser uma combatente do sexo feminino, algo aliás muito comum entre os curdos da Síria, mas o fato da habilidade de combate desta joven não ser algo incomum. Elas (as jovens combatentes) impressionaram os observadores norte-americanos destacados para realizarem reconhecimento e inteligência no terreno em favor da campanha da USAF contra o Estado Islâmico em Kobane.  Mostram-se rápidas, coordenadas, precisas e muito decididas, verdadeiras especialistas no combate urbano. Conhecem a fraqueza psicológica do inimigo, que teme ser morto por uma mulher, pois assim não terá a recompensa no paraíso (72 duas virgens e um palácio). Dado que a cidade, Kobane, tornou-se, com razão, em  uma analogia viva de Stalingrado, salta os olhos a comparação com a cidade símbolo da Grande Guerra Patriótica, onde mulheres combateram, como aliás o fizeram por todo o conflito. Em suma, as mulheres soviéticas combateram bem na década de 40 do século passado e as mulheres curdas fazem o mesmo, agora, neste início de século XXI.

Rehana
A mítica guerreira “Rehana” na Kobane libertada e em 22 de agosto de 2014, junto ao seu grupo de combate. Foto: internet.

Outra heroína, que inadvertidamente acabou em uma história controversa atende pela alcunha de guerra de Rehana, a esta mulher, que detém o comando de um pelotão, lhe é imputada a cifra aproximada de 100 jihadistas mortos. O Estado Islâmico, que possui um grande senso midiático, lançou na mídia imagens de uma combatente curda morta em combate com semelhança física àquela da heroína Rehana. Isto seguido da imagem da combatente decapitada, como é o costume bárbaro destes insurgentes. Os curdos, todavia, mostraram após o fim dos combates em Kobane, com a cidade pacificada após a expulsão dos extremistas, a dita combatente viva, em trajes civis, comprovando assim a sua sobrevivência e desmascarando a farsa midiática do Estado Islâmico. Não é uma novidade, diga-se, pois o Estado Islâmico lança mão de forma recorrente destas manipulações para destruir a moral inimiga via propaganda. Recentemente, por exemplo, lançaram a imagem de um combatente iraquiano morto, como sendo Abu Azrael, conhecido pela alcunha de “Rambo Iraquiano”, ou “Anjo da Morte”, ao qual se atribui a eliminação de 1.500 extremistas, no entanto, ele apresentou-se, vivo, para a TV iraquiana. Estas manipulações propagandísticas, entretanto, voltam-se contra o Estado Islâmico, pois acabam por marcar seus combatentes também como troféus, alvos procurados. É o caso do combatente do Estado Islâmico que apareceu nas imagens que correram o mundo segurando a cabeça decepada de uma jovem combatente curda pelas tranças, seu nome Abu Ansari Uveys, ou Abu Uveys Ansari, que seria cidadão do reino da Arábia Saudita. Foi morto dias após a realização das fotos que teriam se dado no dia 5 de outubro de 2014, pois as ações que culminaram em sua morte deram-se no dia 08 de outubro de 2014, três dias após.

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Abu Ansari Uveys, ou Abu Uveys Ansari, terrorista do EI afamado pela imagem da jovem curda decapitada, que o EI afirmou ser a mítica “Rehana”. A alegação do EI era falsa. Abu foi morto poucos dias depois por um ataque aéreo da coalizão ocidental. Foto: internet.

Como exemplo de guerreira curda emblemática envolvida em Fog Of War, temos a bela jovem Ceylan Özalp, 19 anos de idade e comandante de um grupo de combate feminino (YPJ). Tida como vítima de um suicídio por ver-se cercada por elementos do EI, foi posteriormente relatada como viva, sobrevivente, e ainda no comando do seu grupo de combate. A autora do relato que desmentiu a versão da autoimolação da jovem foi Ayla Akat Ata, advogada do PKK, partido dos trabalhadores do Curdistão (Turquia), que informou o jornalista de origem curda Müjgan Halis sobre a falsidade da história que envolvia a jovem combatente, que apesar de inspiradora, uma jovem guerreira que se mata para não ser seviciada, barbarizada, degolada e mutilada pelos selvagens extremistas do EI, não era um fato verídico, ademais, mais vale uma guerreira viva do que uma heroína morta. A história, por certo apareceu devido a uma entrevista cedida por Ceylan Özalp ao correspondente britânico da BBC, na qual dizia que não cairia viva em poder do EI, pois tinha sempre reservada uma ultima bala para si.

Ceylan
A bela Ceylan Özalp, cujo falso suicídio correu o mundo. A jovem combatente, até esta data, 21.12.2015, está viva e alistada ao YPJ. Foto: Internet. 

A qualidade destas mulheres, como guerreiras, é constantemente observada, e aquelas que demonstram capacidade de comando são rapidamente alçadas. Respeitadas, combatem junto com os homens, lideradas, ou liderando-os.  Estes por sua vez aceitam sem restrições as ordens de uma comandante, visto que dela emana, antes de tudo, experiência e capacidade de combate comprovada em ações reais. Este é o caso de Narin Afrin, codinome guerreiro de Mayssa Abdo. Comandante de frações do YPJ, a esta mulher, tida como culta e inteligente, agregou-se a qualidade de ser extremamente serena quando submetida a grande pressão, bem como de tomar, sempre, decisões lúcidas e acertadas nestas situações extremas. Todavia, apesar de não haver restrições às formações mistas, o que se vê, em geral, são mulheres combatendo juntas. Isto, por ironia constitui em uma força a mais para os curdos, dado a supertição dos terroristas islâmicos, de que lhes será vedado o paraíso com 72 virgens e um palácio caso sejam mortos por mulheres. Ao se verem defronte a pelotões femininos, não raro, paralisam-se e passam a combater com cuidado extremado, entretanto, quando em superioridade inconteste, agem com extrema brutalidade, como a descontar a ofensa de serem enfrentados por infantes do sexo feminino.

As mulheres compõem a denominada YPJ, sigla para Yekineyên Parastina J, em português, Força de Autodefesa Feminina, agregada a Força de Autodefesa do Povo, YPG. Antes compostas em uma Brigada, somam agora os valores de uma Divisão, com cerca de 10.000 combatentes alistadas, o que equivale a algo próximo da metade do efetivo curdo na Síria. As suas lideranças, via – de – regra, são femininas, muitas delas jovens, com a experiência de combate a listar àquelas com vocação de comando. Não é raro ver meninas com 19 anos comandando grupos de combate de mulheres, todavia, a maioria das comandantes possui uma idade maior. Menores de 18 anos não são aceitas nas fileiras combatentes, mas podem ser treinadas para assumirem o posto quando atingirem a idade mínima. A idade limite para admissão é de 40 anos, mas pode ser relativizado caso a candidata demonstre real capacidade física para o trato militar. Longos percursos de marcha são comuns, e elas o fazem deslocando-se com o equipamento, sem suporte motorizado, ou animal. São hábeis para montar pontos fortes e emboscadas, como todos os combatentes da região exibem uma predileção por armas automáticas, em especial para com as velhas PKM (metralhadoras de origem russa para apoio de fogo). Em Kobane as combatentes curdas foram relatadas como compondo entre 1/3 e ½ do total do efetivo curdo empregado na defesa da cidade. Em geral apresentam-se com fardamentos verdes, ou camuflados de verde, vestes negras não são incomuns e portam o indefectível AK-47. Além dos carregadores, ou seja, da munição, pouco mais que um cantil é visto. A prioridade, portanto, é de se manter leve, para movimentar-se com rapidez e destreza, pois a lentidão pode ser a sentença de morte de um infante no combate urbano. Não foram vistos equipamentos de proteção como capacetes, ou coletes balísticos. Concorre para tanto, as exigências do teatro de guerra, quente, árido, ou semi-árido, pedregoso e por vezes arenoso.

Curdas com metralhadora
Mulheres combatentes do YPG municiam uma arma automática. Foto: internet.

A presença feminina entre as forças curdas da Síria, de maneira tão constante e presente, acabou por ressaltar nos EUA uma discussão sobre a presença da mulher em unidades combatentes. Presente há muito em forças auxiliares, logísticas, as mulheres nas armas americanas, por força da pressão social, acabaram por assumir posições em unidades de infantaria nas frentes de batalha.  Não tardaram aparecer reclamações quanto a queda de qualidade das formações de infantaria, dado a constatação da maior ocorrência de lesões entre as mulheres, bem como menor status físico geral (força, explosão, resistência). Algo que foi replicado com imagens de soldadas com extremo preparo físico, algo próximo ao fisiculturismo e com o discurso igualitário pautado em exemplos. Entretanto, um escândalo recente em que um comandante, General Miller, Forte Benning, de acordo com a jornalista Susan Keating, do veículo The People, 25.09.2015, em vista de um concurso para tropa de elite do USARMY (Rangers), realizou um programa de treinamento físico específico para candidatos do gênero feminino, algo negado aos soldados homens, fez reavivar a discussão no tocante a presença da mulher na infantaria em missões de choque. Isto, devido ao fato de que com todo  o preparo específico ficou a selecionada na rabeira do grupo. Outro registro que suscitou comentários sobre o valor da mulher combatente deu-se em função de um vídeo veiculado no Youtube, onde uma oficial, Capitã Sarah Cudd, finaliza um exercício de marcha de 12 milhas, no limite de tempo de três horas (2hs e 46min) em pleno estado de esgotamento físico. No vídeo outros soldados emitem vozes de estímulo, dado que não poderiam ajudá-la fisicamente, pois isto a desclassificaria.

Sarah Cudd
A Capitã Sarah Cudd sofre para terminar a sua prova de marcha de 12 milhas. Foto: internet.

Esta discussão para os EUA faz todo o sentido, visto que as armas nacionais dos EUA estão geralmente em combate fora das suas fronteiras, como forças invasoras. Sabe-se que o invasor precisa sentir-se confortável para empreender o combate em solo inimigo. Este conforto advém da superioridade tecnológica por ele sentida, no espírito de corpo coeso, na sensação de que suas formações são invencíveis. A presença da mulher, aqui, se encaixa como uma incógnita. Se o infante perceber que o desempenho dela é inferior ao esperado de um infante masculino, sentir-se-á inseguro, ou pior, tentado a protegê-la a todo custo, comprometendo o trabalho do grupo de combate como equipe. Estes fantasmas somem quando se vê o pressuposto soviético, ou curdo: as mulheres defendem os seus lares contra um agressor brutal e insano. Antes eram os nazistas e fascistas ucranianos que matavam e estupravam, agora são os islamitas fanáticos, que degolam, seviciam, escravizam e estupram suas vítimas. As mulheres curdas, tal como as suas antecessoras soviéticas lutam pelas suas vidas, mas principalmente pelas dos seus filhos. Conhecem o destino reservado aos seus, caso haja uma vitória do medievalismo wahabbita. Não é uma questão de escolha, mas de sobrevivência. E nós sabemos, muito bem, que quando o destino da prole está em jogo as mulheres superam todas as barreiras havidas… Tornam-se leoas!