Rússia realiza 311 surtidas em 11 dias

Por: César A. Ferreira

A mídia brasileira, notadamente aquela não especializada, tende a refletir e emular a mídia empresa do ocidente, motivo este que explica a ausência do esforço russo na síria, passado o impacto inicial das primeiras e espetaculares ações. Entretanto, repete, vez por outra, as ações da USAF, ou dos Rafales da Armée de l’ Air, ou da Marine Nationale. É de assombrar que tão parcas ações tenham tamanha repercussão, mas compreensível, quando lembramos que a preguiçosa mídia brasileira se compraz em reproduzir as notas da Reuters, AP, UPI, DW, FP…

Motivo outro não há, portanto, para a ausência da notícia última sobre a guerra na Síria, no tocante ao que envolve o efetivo aéreo da Federação Russa desdobrado na Síria, notadamente na base aérea de Hmeymin. O informe destaca, simplesmente, que nestes primeiros 11 dias de 2016, a VKS, Força Aeroespacial da Federação Russa, realizou nada mais, nada menos do que 311 surtidas que resultaram na destruição de 1097 alvos e instalações de insurgentes extremistas islâmicos em território sírio. Isto resulta em uma média de 29 missões diárias, o que para um efetivo reduzido como é o russo corresponde a um feito notável.

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Su-24M2 com Afterburner ligado rola pela pista para dar início a mais uma surtida noturna. Foto: internet.

Dentre os alvos, o Estado Maior da VKS listou as instalações para refino e estocagem de óleo cru, infraestrutura em poder dos extremistas insurgentes, tais como depósitos e pátios, locais de concentração de combatentes e de caminhões cisternas, bem como de equipamentos militares. Segundo informações do Tenente General Sergei Rudskoy, as armas do Exército Árabe da Síria efetuam neste momento uma ofensiva vitoriosa em cinco províncias, a saber: Latakia, Aleppo, Homs, Hama e Raqqa. O número de localidades libertadas, cidades, vilas e vilarejos, somam mais de que 150.

O Exército Árabe da Síria, em conjunto com unidades aliadas do Hezzbolah, além de um número não especificado de voluntários iranianos, aos quais agregam as forças curdas do YPG/YPJ, estas últimas notadamente ao norte, realizam operações distintas em várias partes do país. Na província de Latakia, o objetivo principal foi a conquista e ocupação das elevações características do local, que dominam as vias de acesso em direção à fronteira com a Turquia, bem como o avanço em direção a fronteira propriamente dita, selando assim a passagem fronteiriça e desta forma asfixiando naquela área o fluxo de abastecimento dos insurgentes. O objetivo estratégico e comprimir e cercar as forças inimigas de encontro com as tropas curdas, mais além. Na província de Allepo, segue o grande movimento de pinça ao sul da cidade do mesmo nome, enquanto os combates prosseguem na zona urbana com vistas a aumentar a =área em poder governamental, já na província de Homs, o destaque ficou por conta da retomada da cidade de Mahrin.

Outro dado interessante é o aumento de efetivos do Exército Árabe da Síria. A partir do início da intervenção do efetivo aéreo da VKS houve de maneira crescente, mas contínua, um engrossar de fileiras nas forças governamentais. Além da Brigada de soldados cristãos, outra brigada, esta de mulheres combatentes, foi formada. Ao que parece, a injeção de ânimo provocada pela presença russa foi primordial, para que jovens sírios passassem a vislumbrar a possibilidade de vitória contra a barbárie, e desta maneira trocar a fuga pela luta.

Para quem não tem ideia de quão pequena é a presença russa, segue uma lista do efetivo aéreo:  8 aeronaves SU-24M, e 3 aeronaves SU-24M2, 10 SU-25 SM, 2 SU-25 UM, 4 SU-30 SM, 4 SU-34 (acrescidos de outros seis), 12 helicópteros de ataque modelo Mi-24P  (acrescidos de unidades Mi-35M)e 3 Mi-8 AMTsh.  Para se ter uma ideia mais ampla, pode-se visitar a matéria O Esforço Russo na Síria.

Isso e nada mais.

Para se ter uma ideia mais ampla, pode-se visitar a matéria O Esforço Russo na Síria.

A escalada continua

Por: César A. Ferreira

Por vezes uma simples declaração pode significar muito, depende, antes, de que a proferiu e de quando o fez. Nesta semana, Jamal Khashoggi afirmou sem meias palavras: “(…) o incidente com o avião russo será repetido, estamos quase em guerra com os russos, apesar de ambas as visitas, reuniões e sorrisos”. Acontece que Jamal Khashoggi não é qualquer um, e simplesmente o chefe da editoria do Al Arab News Channel, uma espécie de “porta – voz informal” da Casa de Saud.  Os delírios de grandeza da Casa de Saud são bem conhecidos, e o objetivo perseguido de tentar fazer a Arábia Saudita ser reconhecida como “potência regional” é facilmente perceptível, por quem estiver disposto para tanto. Todavia, uma sinergia, entre o sultanato acalentado pela vaidade Edogan e sonhos diletos dos sauditas pode se tornar em um catalisador para uma grande confrontação no Oriente Médio, algo impensável até então, quer pelas ações empreendidas, como pelos interesses das potências, que não abraçam um conflito direto.

Neste contexto, a alocação de mais de 1.000 veículos blindados, entre canhões autopropulsados, veículos blindados para transporte de infantes e carros de combate M-60, por parte do governo turco, é algo para se pensar. Afinal, tal concentração de blindados, bem como do necessário contingente de infantaria que os acompanha, remete a uma possibilidade de rompimento ao norte de Latakia, onde as forças governamentais sírias estão em progressão, e mesmo quanto ao posto do contingente militar russo disposto na Síria, localizados a meros 48 km da fronteira, no antigo Aeroporto Internacional Bassel Al-Assad, sede dos destacamentos aéreos russos e onde se encontra a bateria AAA do sistema S-400 “Triumph”. Um contato direto, um ataque com tamanha profundidade e com um choque entre tropas governamentais equivaleria a uma declaração de guerra; guerra que se daria entre estados nacionais, entre eles um estado nacional nuclearizado e outro associado ao Tratado do Atlântico Norte. Além disso, talvez como resposta a ação russa de protelar as vistorias em caminhões provenientes da Turquia em suas fronteiras, a Turquia passou a bloquear a passagens dos navios russos nos estreitos, alegando motivos de toda ordem, de vistorias fitossanitárias às necessidades de tráfego prioritário de embarcações militares turcas. Desnecessário dizer que tais “problemas” não afetam embarcações de outras bandeiras. Além disto, tem-se o anúncio feito por Ancara de que os seus submarinos (IKL-209 Class) estariam a acossar o Cruzador Lança-Mísseis “Moskva” (enviados o “Dolunay”, IKL 209-1200 e o “Burakreys” IKL-209-1400). Não é preciso ter uma mente paranoica para entender que qualquer incidente com este vaso, capitaneia da Frota do Mar Negro, seria tomado como um ato de hostilidade declarada, guerra.

Moscou, por sua vez, também elabora ações que deixam Ancara com nervos à “flor da pele”. Apesar de ter sido anunciado como um gesto advindo do incidente com o SU-24M, a aproximação mais séria entre os curdos sírios com o governo russo é algo que vem sendo ensaiado desde outubro deste corrente ano.  Ancara teme, com razão, o aumento de patamar dos combatentes curdos com envio de armas da Rússia e os eventos recentes, com certeza, alarmam os turcos. Basta ver a declaração recente do porta-voz da presidência da Federação Russa, Dmitry Peskov, na qual afirma que a combatividade das milícias curdas era em muito superior àquelas do “Exército Livre Sírio”, no tocante ao combate ao Estado Islâmico. Disse Peskov: “(…) a milícia curda, na verdade, é muito mais eficaz em termos de combate no norte do Iraque. São bem mais eficazes na luta contra o EI. Muito mais fortes e realistas na luta contra o EI do que o efêmero Exército Livre Sírio”. Pouco importa para os dignitários sírios que as declarações posteriores de Peskov advogassem a favor da integridade territorial de todas as nações da região, pois sabem mais do que ninguém que os curdos, minoria importante da população turca (25 ~ 35%, aproximadamente), alimentam um desejo confesso de se abrigarem em um Estado Nacional. Temem os turcos, que os russos comecem a fornecer em profusão os combatentes curdos, armas portáteis sofisticadas, tais como MANPADS 9K38 (Igla), ou 9K338 (Igla-S), bem como de  mísseis anti-carro 9M133 Kornet-E.

De fato a coordenação entre o YPG, comitê das Unidades de Proteção Popular Curda, e os destacamentos russos na Síria vão de “vento em popa”. Após a ofensiva aérea russa contra pontos fortes islamitas em Deir Jamal, os milicianos curdos lançaram uma ofensiva maciça contra os “moderados” pró-turcos do Exército Livre Sírio nos assentamentos de Maryamayn, Maliki e Zivara, todas as localidades situadas ao norte da cidade de Aleppo. Não existe dúvida na coordenação entre os elementos combativos curdos e as forças russas, dado que estas apoiaram as primeiras com helicópteros de ataque Mi-24P, o que exige um grau de coordenação afinado. Esta ação foi decisiva para a tomada de Tel Abyad, cidade habitada por turcomanos leais à Ancara, e o alvo da ofensiva do YPG é a localidade de Azaz, importante ponto da fronteira, por onde os comboios de abastecimento de armas trafegam entre a Turquia e a Síria ocupada, bem como o retorno dos caminhões cisternas, estes com petróleo contrabandeado pelo Estado Islâmico.

Shaairat
Base aérea de Shaairat, ou Shayrat. Foto: internet.

Aliado aos desenvolvimentos discutidos está a movimentação russa para ampliar a sua presença em solo sírio, visando ocupar a vasta base aérea de Shaairat, ou Shayrat como é mais conhecida, localizada a 25 km do sudoeste da cidade de Homs. A base aérea é ampla, possui abrigos de concreto reforçado para aeronaves (45), pistas com mais de 3 km de extensão  e dista pouco das linhas do Estado Islâmico, favorecendo em especial as surtidas para a região de Palmyra (principalmente para os helicópteros). Sabe-se que a Rússia reforma a pista auxiliar e especula-se que a dotação do efetivo aéreo russo na Síria vá subir para algo entre 100 e 150 aeronaves. Foi acusada a presença, desde o último dia 6,  das baterias do 5º grupo de artilharia do 120ª Brigada de Artilharia de Campo do Exército da Federação Russa. É certo que devido a localização da base, que um efetivo de proteção reforçado deverá ser formado para prover a segurança da base, caso venha a abrigar um destacamento de tamanha importância, como o que se projeta. Acredita, que algo entre 1.500 e 7.000 militares sejam alocados nesta base, isto, sem incluir os efetivos sírios.

Por fim, há de se destacar as imagens divulgadas dos bombardeiros russos SU-34, armados de mísseis ar-ar, no caso um par de mísseis IR, R-73-E, e de outro par de Mísseis R-27, com cabeça eletromagnética (guiamento semi-ativo). Antes, dado o congestionamento havido sobre o espaço aéreo sírio, os russos com o fito de não mostrarem-se hostis, abriram mão de armas de autodefesa dado que o Estado Islâmico e demais grupos não possuíam elementos aéreos. Observa-se a mudança como mais um sinal do escalar do conflito civil sírio devido ao seu potencial de causar incidentes.