O F-104 encontra o seu algoz

Por: César A. Ferreira

Em 1971 o MiG-21 já havia consolidado a sua reputação nas suas mais diversas versões, pilotos de Mirage III e F-4 Phantom sabiam que o MiG-21 consistia num inimigo temerário. Porém, o caça soviético não havia se confrontado, ainda, com um oponente leve e ainda mais rápido do que ele: o F-104A, o “galgo da Lockheed”.

A Força Aérea do Paquistão (PAF.,ing.)[1], era a antiga operadora do F-104A, já presente no inventário paquistanês quando do conflito de 1965, onde a PAF exibira elevada capacidade operativa, todavia, o F-104A não tivera naquela guerra uma participação destacada, ao contrário dos onipresentes F-86F… Pois, em 1971 a situação seria diferente e os F-104A teriam um adversário na mesma altura.

Em 1971 os MiG-21 da Força Aérea da Índia (IAF., ing.)[2], estavam padronizados no padrão FL. No dia 12 de dezembro, segundo arquivos indianos e 13 de dezembro segundo relato da PAF, um elemento de F-104A da PAF que estava incumbido de atacar a Base Aérea de Jamnagar, foi interceptado por um elemento de MiG-21 FL. Os F-104A paquistaneses estavam equipados com tip tanks[3] e dois misseis AIM-9B nos cabides. Enquanto faziam a sua passagem foram alvejados por mísseis K-13 e o líder, Wing Commander Mervin L. Middlecoat foi abatido. O Tenente Tariq Habib relata que o Comandante Middlecoat ejetou e o seu avião penetrou nas águas do golfo de Kuch, invertido. Deu-se conta que um MiG-21 se postava à sua direita e com after-burner ligado evadiu-se do local… O relato de Habib é explicito em dizer que o elemento de ataque permanecera minutos a mais sobre o alvo para corrigir a passada [4}, isto, porém não tira o brilho da vetoração da IAF que levou o elemento de MiG-21 para a interceptação com sucesso. O piloto que logrou a vitória aérea foi o Tenente Aviador Bharat B. Soni (MiG-21 FL). Os relatos indianos dão conta que apesar de vetorados, o elemento de MiG-21 já tinha os dois F-104 no visual antes de efetuarem a corrida para o alvo, de tal maneira que a demora na correção da passada narrada por Habib pouco influenciaria. O F-104A abatido de Middlecoat ostentava número seriado 56-773, e segundo o relato indiano o míssil K-13 não travou no alvo, por ter se perdido pelo uso defensivo de flares por parte de Middlecoat, sendo por isso abatido a tiros de canhão.

A Índia alega o abate de 5 F-104A no conflito de 1971, enquanto a PAF admite apenas a perda de outros dois destes caças, sendo uma destas perdas atribuída à artilharia antiaérea indiana [5], totalizando as perdas em três aeronaves F-104A. No dia 17 de dezembro um elemento de MiG-21 FL [6] efetuava a escolta de dois elementos de HF-24 “Marut” em missão de ataque. Naquele momento um elemento de F-104A, transferidos para a PAF da Jordânia patrulhavam a área Naya Chor. Estes modelos provindos da Real Força Aérea Jordaniana não tinham adaptação para disparo do míssil AIM-9 a partir dos pilones internos, obrigando a PAF optar por tanques, ou mísseis nas pontas das asas. Neste caso, a PAF optou por colocar no ar uma CAP noturna de F-104A armada apenas com canhões, dado que sem os tanques a permanência em patrulha de combate seria absurdamente breve… Pois, a narrativa do combate aponta que o elemento de MiG-21 FL tornou-se ciente da presença da CAP da PAF com antecedência, pois os paquistaneses nos seus relatos apontam que a estação de radar de Badin informara aos pilotos que dois inimigos deles se aproximavam, vetorando-os, então, para uma aproximação frontal. Após a passagem frente a frente, a narrativa paquistanesa afirma que no afã de posicionar-se em posição ideal de tiro atrás do líder do elemento de MiG-21, o Tenente Aviador Salmar Changezi foi por sua vez enquadrado e abatido pelo ala do elemento de MiG-21, no caso pelo Tenente Arun K. Datta, que teria disparado dois mísseis K-13, o primeiro tendo errado o alvo, o segundo atingindo-o com sucesso. O líder do elemento de F-104A, Tenente Aviador Rachid Bhatti, desengajou e retornou a base da Masroor. O relato de Bhatti é interessante no sentido que ele narra que Changezi estava num ângulo acentuado demais para fazer fogo com o canhão, entusiasmado para corrigir e abater o MiG à sua frente e não se deu conta que se posicionava de maneira ideal para o ala do líder do elemento indiano. O primeiro míssil de Datta teria sido disparado de forma precipitada, o segundo num ângulo de engajamento ideal. O F-104A de Changezi, ostentando o número de série 56-787 explodiu, sem chances para ejeção.

Os combates evidenciaram que o MiG-21 se mostrara superior para o combate aéreo aproximado perante o F-104A, isto se evidencia no combate de Naya Chor, onde numa refrega 2×2 um piloto da PAF foi vaporizado no ar e o outro que tudo assistia no “poleiro” [7], preferiu antes salvar a própria vida do que perseguir uma estela de herói. A PAF é uma força aérea aguerrida, treinada na doutrina da USAF e orgulhosa das suas tradições, por isso a sua narrativa reforça a posição de interioridade relativa dos seus pilotos, ainda que isso possa ser aceito como uma “verdade” no combate de Middlecoat, onde fora interceptado, não se pode dizer o mesmo no caso de Changezi. O fato é que muitos pilotos disseram que para um dogfight o “galgo da Lockheed” se comportava como se tivesse “tijolos ao invés de asas”. De fato, o interceptador F-104A que despontava como inadequado para a função de superioridade aérea, por motivo inescrutável acabou como o caça de ataque padrão europeu, na versão G e S. No velho continente equipou forças aéreas da OTAN e de países que na época não faziam parte do pacto, caso da Espanha (onde foi empregado na função original de interceptador). Do tratado atlântico, a Alemanha, Bélgica, Grécia, Noruega, Holanda, Itália e Turquia o tinham como caça e dizem as más línguas, que na convivência diária com o “fazedor de viúvas” grassava nos seus operadores uma inveja mortal da Armée de l’air com os seus Mirage III…

Notas:
[1]: PAF – Pakistan Air Force.

[2]: IAF – Indian Air Force.

[3]: Tip Tanks (inglês) – Tanques de ponta de asa.

[4]: O relato fala em um atraso de 60 a 120 segundos sobre o alvo.

[5]: Abatido em 5 de dezembro de 1971 pelo 27º Regimento de Defesa Antiaérea, na área de Amristsar, ação atribuída ao artilheiro Hav Ramaswamy. O F-104A de número seriado 56-804 era pilotado pelo Tenente Amjad Hussain, que ejetou e foi capturado.

[6]: Baseados em Uttarlai.

[7]: “Não se contesta a história do piloto que retorna” – o axioma militar explica em muito a situação, não se pode criticar o fato de Rachid Bhatti não ter perseguido o elemento de MiG 21 FL, pois estes efetuaram uma curva em direção a própria sua base desengajando do combate, provavelmente por conta do consumo de combustível, motivo que já afetava Bhatti, com uma hora de patrulha já efetuada quando se deu a refrega.

Características do MiG-21FL:

Velocidade máxima: 2.175 km/h (1.170 kn.);
Velocidade máxima em Mach: 2,0 Ma;
Alcance: 1 210 km;
Teto máximo: 17 800 m. (58 400 ft.);
Armamento: mísseis K-13 (AA2 “Atol”). POD GP-9 (GsH 23mm, geminados).
Comprimento:14,5 m. (47,6 ft.);
Envergadura: 7,154 m (23,5 ft.);
Altura: 4 m. (13,1 ft);
Área das asas: 23 m² (248 ft².);
Alongamento: 2.2;
Peso carregado: 8 825 kg. (19 500 lb.).

Motor

Tumansky: R11F2S-300;
Tipo: turbojato com pós-combustor;
Comprimento: 4.600 mm (181,1 pol.);
Diâmetro: 906 mm (35,7 pol.);
Peso: 1.124 kg (2.477 lb);
Componentes:
Compressor: Compressor axial , (LP) 3 estágios, (HP) de 3 estágios;
Empuxo máximo:38,7 kN (8.708 lbf);
60,6 kN (13.635 lbf) com pós-combustor.
Relação de pressão geral: 8,9:1;
Temperatura de entrada da turbina: 955 °C (1.750 °F.);
Consumo específico de combustível:
97 kg/(h·kN) (0,95 lb/(h·lbf)) em cruzeiro;
242 kg/(h·kN) (2,37 lb/(h·lbf)) com pós-combustor;
Relação empuxo-peso: 53,9 N/kg (5,5:1).

Características do F-104A:

Comprimento: 16,66 m. (54,8 ft.);
Envergadura: 6,63 m. (21,9 ft.);
Altura: 4,11 m. (13,6 ft.);
Área da asa: 18,22 m. (196,1 ft.);
Aerofólio: Biconvexo 3,36% raiz e ponta.
Peso vazio: 6.350 kg. (14.000 lb.);
Peso máximo de decolagem: 13,166 kg. (29.027 lb.);
Velocidade máxima: 1.528 mph (2.459 km/h, 1.328 kn);
Velocidade máxima: Mach 2.
Alcance de combate: 420 mi (680 km, 360 mn);
Alcance translado: 1.630 mi (2.620 km, 1.420 mn);
Teto de serviço: 15.000 m. (50.000 ft.);
Taxa de subida: 240 m/s (48.000 ft./minuto);
Carga da asa: 510 kg/ m²;
Armamento:
Canhões: 1 × 20 mm (0,787 pol.) M61A1 Vulcan, canhão rotativo de 6 canos, 725 tiros.
Hardpoints: 7 com capacidade de 4.000 lb (1.800 kg), com provisões para transportar combinações de até
4  AIM-9B “Sidewinder”.

Motor

General Electric J79-GE-19;
Tipo: turbojato axial com pós-combustor;
Peso:1,750 kg (3.850 lb.);
Características gerais:
Comprimento: 5,3 m. (17,4 ft.);
Diâmetro: 1,0 m. (3,2 ft.);

Componentes:
Compressor: compressor axial de 17 estágios com palhetas de estator variável.
Combustores: canular;
Turbina: 3 estágios;
Empuxo máximo: 11.900 lbf (52,8 kN) seco; 17.900 lbf (79,6 kN) com pós-combustor;
Relação de pressão geral: 13,5:1
Fluxo de massa de ar: 170 lb/s (77 kg/s);
Temperatura de entrada da turbina: 1.710 °F. (932 °C.);
Consumo específico de combustível: 1,965 lb/(h·lbf) (200 kg/(h·kN)) com pós-combustor, 0,85 lb/(h·lbf) (87 kg/(h·kN)) em cruzeiro.
Relação empuxo-peso: 4,6:1 (45,4 N/kg).

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