O jogo dos retardados

Por: César A. Ferreira

A Guerra da Ucrânia começou no dia 24 de fevereiro de 2012, como resposta a uma Blitzkrieg de Zelensky contra as repúblicas autoproclamadas de Lugansk e Donetsk. A reação do ocidente, como bem sabe o caro leitor, foi o estabelecimento do maior e mais violento pacote de sansões já dirigido contra um país. Estas imposições econômicas foram forjadas na crença, ou pelo menos assim foi comunicado ao mundo, de que colocariam a Rússia de joelhos, pois… De lá para cá, a União Europeia transferiu para a Federação Russa o equivalente a US$ 12,000,000,000.00. É isto mesmo, doze bilhões de dólares!

Acontece que existe nesta conta das ideias e das boas intenções um problema insolúvel, ela não cabe na matemática da realidade. Fato é que a Europa Unida não sobrevive sem o gás russo e que ele, para fluir precisa ser obviamente pago, ou o fornecedor irá bloquear o envio. É por isto que vimos a tão estrondosa retirada da Federação Russa do sistema Swift, ser na verdade, incompleto. Anunciada a retirada dos onze principais bancos russos, reduziu-se para dez e finalmente apenas sete foram descredenciados… Tem-se, pois, instituições bancárias capazes de receber pagamentos pelo gás. Não que seja exatamente um alívio, pois o gás que já estava em alta ganhou impulso com a guerra e principalmente com as sansões, chegando ao absurdo valor de US$ 3,900.00 por mil metros cúbicos no mercado livre. E a Alemanha, grande consumidora, acreditando ser “muito esperta” recusou um contrato de longo prazo com a Gazprom, para comprar com preço do mercado livre… Os russos devem estar rindo de orelha a orelha, sinceramente. Já as siderúrgicas alemãs encerram as atividades por inviabilidade econômica devido ao preço do gás.

Não fosse apenas isso temos o desespero político a cercar as mentes decisórias e aqui o quadro se refere aos EUA e não a Europa Unida. Joe Biden reflete a decadência dos EUA no momento que não consegue em plena crise mostrar-se como protagonista. Pelo contrário, ele simplesmente recusou este papel quando decidiu antagonizar o verdadeiro protagonista: Vladimir Putin e a Federação Russa. Biden e os EUA ficam a reboque, dado que foram o motor por trás do pacote de sansões e por isso se inviabilizaram como interlocutores validos, afinal, mediadores não podem ser ostensivamente partidários. A liderança norte-americana não pode hostilizar militarmente a Rússia na Ucrânia e o faz no campo econômico, todavia não resolve a crise e não resolvendo a crise perde influência. Como todos sabemos, são fatos do declínio dos impérios perante a história, jamais se aperceber que a importância da política interna é demasiada e delirante. Querer moldar o mundo e apenas enxergá-lo pelas lentes dos seus próprios valores é a receita pronta do desastre.

Desta forma, tendo a mídia em suas mãos, cegos para o que acontece no mundo, mas soberbos em suas decisões, a mesquinhez da emergência de manter o poder político comanda as ações e mentes. O exemplo maior é o jogo da manipulação emotiva, no caso pretensa apenas. Trata-se da encenação com o ator Zelensky perante o congresso dos EUA, da demonização incessante de Vladimir Putin e das cenas de refugiados e feridos, com as suas comoventes histórias, bombardeadas dia e noite para fazer o eleitor médio acreditar no discurso oficial, de que a alta da gasolina e do seu custo de vida se deve ao vilão das estepes…  É um jogo perdido, pois quando chega no bolso a racionalidade costuma gritar mais alto na consciência do eleitor.

E se falamos de jogo, basta ver aquele de quem realmente sabe jogar. Vladimir Putin iniciou uma invasão, tornou-se protagonista e apesar desta ação militar ser uma resposta às provocações do ocidente, ela por si é um ato de afirmação. É a primeira vez em décadas que se vê um ato de desafio a “ordem existente” e da parte do ocidente, desafiado, nenhuma resposta concreta houve. Não só a Federação Russa recebe pelas suas exportações de hidrocarbonetos, como a sua indústria encampará todas as plantas industriais abandonadas pelas empresas ocidentais que aderiram ao pacote de sansões. Ademais, todas as obrigações externas são ordenadas em função das reservas retidas no exterior, caso o credor não as receba, terá o equivalente em rublos, na cotação do dia depositado em instituição bancária russa. Se não houver aceitação, paciência, que procure a justiça. Pegue isto e multiplique pela enormidade de fundos de participação que investiram pesadamente em títulos russos…

Não se assuste e não reclame, a Federação Russa não recusa a honrar as suas obrigações, apenas explicita ao mundo que se está impossibilitada disto se deve antes ao roubo, rapinagem, sequestro e pilhagem das suas reservas, assim decididas por mera conveniência política. Em suma, o conceito de propriedade privada e do Estado de Direito foi relativizado e as consequências irão aparecer, cedo ou tarde… Talvez, mas cedo do que se pensa. A China acertou com a Arábia Saudita a troca de petróleo por pagamentos em sua moeda nacional, o Yuan. A Índia procura acerto parecido com a Rússia. Isto significa o fim da relação petróleo/dólar, dado que dois dos maiores produtores e dois dos maiores consumidores comercializarão a commoditie de uso global fora da moeda nacional dos EUA, retirando desta uma parte gigantesca do volume de transações e afetando-a como fator de referência para trocas. Para um estado que possui um endividamento orçado na casa dos trilhões, a perda da confiança em sua moeda nacional usada como referência de trocas pode ser desastrosa. Este caminho parece agora inevitável e avisos se deram, mas ignorados. É que a certeza quando ombreada pelos agentes do declínio não aceita dissonância, por isso ela é calada, ridicularizada e eliminada. Em geral, quando não se consegue evitar a dissonância, sobre ela impõe-se um carimbo, desqualificando-a até que por ela o desprezo seja a única paga. Isto explica o massacre midiático do apresentador Tucker Carlson, por exemplo, apesar de ser ele uma pessoa muito polêmica. Explica, também, por que o jogo tão evidente de apelo emocional que cega o processo de autodestruição dos EUA e da Europa Unida não é percebido como tal… Os jogadores são retardados: nada entendem, nada avaliam e são todos convictos.

A loucura do Império aproxima a Rússia da Alemanha

Por: Pepe Escobar

Tradução: coletivo de tradutores da Vila Vudu.

Com Orwelliana maioria de 99%, que encheria de orgulho a dinastia Kim na Coreia do Norte, o Capitólio da “democracia representativa” passou como trator e aprovou o mais recente pacote de sanções da Câmara/Senado, que visa principalmente a Rússia, mas também atira contra Irã e Coreia do Norte.

O anúncio pela Casa Branca – no final da tarde da 6ª-feira – em pleno verão – de que o presidente Trump aprovou e assinará a lei acabou literalmente soterrado no ciclo do noticiário tomado completamente, 24h/dia, sete dias por semana, pela histeria relacionada ao chamado “russiagate”

Trump terá de justificar por escrito, ao Congresso, qualquer iniciativa para suavizar as sanções contra a Rússia. E o Congresso pode iniciar revisão automática de qualquer iniciativa dessa natureza.

Tradução: já soou o dobre de Finados de qualquer possibilidade de a Casa Branca vir a reiniciar melhores relações com a Rússia. O Congresso de fato está só ratificando a campanha em curso de demonização da Rússia, orquestrada pelo establishment do estado profundo neoconservador e neoliberal/Partido da Guerra.

Já há guerra econômica declarada contra a Rússia há, pelo menos, três anos. A diferença é que esse mais recente pacote também declara guerra econômica contra a Europa, especialmente a Alemanha. As sanções estão centradas no front da energia, demonizando a implantação do gasoduto Nord Stream 2 e forçando a União Europeia a comprar gás natural dos EUA.

Que ninguém se engane. A liderança da União Europeia revidará. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia disse-o até bem gentilmente: “‘EUA em primeiro lugar’ não pode significar que os interesses da Europa ficam em último”.

No front da Rússia, o que o Império das Sanções está conseguindo não pode ser visto nem como vitória rasa. Kommersant já noticiou que Moscou, dentre outras ações, retaliará com banir do mercado russo todas as empresas norte-americanas de Tecnologia da Informação e todos os produtos da agricultura dos EUA; também deixará de exportar titânio para a empresa Boeing (30% do titânio com o qual a Boeing trabalha é importado da Rússia).

No front da parceria estratégica Rússia-China, tentar limitar os negócios de energia Rússia-União Europeia só levará a maisswaps [trocas de moeda] entre o rublo e o yuan – plataforma chave para o mundo multipolar pós-dólar.

E há também o grande fator que possivelmente alterará todo o jogo: o front alemão.

O(s) louco(s) na colina [The Fools on the Hill*]

Mesmo sem considerar o recorde histórico sideral de número de vezes em que Washington não apenas interferiu, mas bombardeou vastas porções do planeta, para mudar regimes – do Iraque e Líbia até as atuais ameaças contra Irã, Venezuela e Coreia do Norte –, a histeria do russiagate em torno de a Rússia ter/não ter interferido na eleição presidencial de 2016 nos EUA é antinotícia, e hoje já completamente desmoralizada.

O xis da questão é, mais uma vez, as guerras de energia.

Segundo uma fonte norte-americana no setor de energia, com base no Oriente Médio e que não é refém do consenso da Av. Beltway, “a mensagem nessas sanções é que a União Europeia não teria futuro a menos que compre o gás natural dos EUA, para expulsar a Rússia. Negar à Rússia o mercado de gás natural da União Europeia sempre foi o objetivo por trás da guerra que os EUA acabam de perder na Síria, para implantar o gasoduto Qatar-Arábia Saudita-Síria-Turquia-União Europeia e abrir o Irã para um gasoduto Irã-Iraque-Síria-Turquia-União Europeia. Nenhum desses planos dos EUA funcionaram”.

A fonte acrescenta como prova, a guerra de preços do petróleo de 2014 contra a Rússia, orquestrada pelo “poder que o superávit de petróleo ou as próprias reservas garantem aos Estados do Golfo, para fazer dumping no mercado mundial. Depois que nada disso conseguiu dobrar a Rússia, tornou-se prioridade nacional para os EUA destruir o mercado russo de gás natural”.

No pé em que estão as coisas, 30% de todas as importações de petróleo e de gás natural da União Europeia vêm da Rússia. Paralelamente, a parceria Rússia-China de energia vai sendo progressivamente fortalecida. A Rússia já está posicionada para aumentar todas as exportações de petróleo e gás para China e para toda a Ásia.

A liderança em Berlim está agora convencida de que Washington está pondo em perigo a diversificação e a segurança energéticas da Alemanha, com essa guerra de sanções. O gás natural e o petróleo russos são protegidos em rotas terrestres e não dependem de transporte por oceano, o qual, como insiste minha fonte, “já não está sob controle dos EUA. Se a Rússia, em resposta à beligerância dos EUA, deixar cair uma Cortina de Ferro sobre a Europa, e redirecionar todas as suas exportações de gás natural e petróleo para China e Ásia, a Europa ficará condenada a depender de fontes instáveis e não seguras de gás natural e de petróleo, como o Oriente Médio e a África”.

E isso nos leva à possibilidade “nuclear” que há no horizonte: um alinhamento Alemanha-Rússia, num Tratado de Resseguro [ing. Reinsurance Treaty] como firmado pela primeira vez por Bismarck. A Think-tankelândia ligada à CIA discute hoje ativamente essa possibilidade.

Outra fonte ativa no business e na política dos EUA, também ativo praticante da arte de pensar fora da caixa do Departamento de Estado, destaca que “é disso que se trata. Esse sempre foi o verdadeiro objetivo da Rússia, e os EUA caíram na armadilha. Os EUA estão fartos de Alemanha e consideram fazer dumping contra produtos alemães nos EUA, com manipulação da moeda. Agora estão ameaçando a Alemanha com sanções, e não há o que a Alemanha possa fazer, com a União Europeia às suas costas enfrentando vetos da Polônia, que outra vez causam problemas aos alemães. Os doidos no Congresso estão mesmo à caça da Alemanha. E com isso estão jogando a Alemanha nos braços da Rússia”.

EUA, a nova Cartago

Uma possível aliança Alemanha-Rússia, como já escrevi, consuma a entente China/Rússia/Alemanha capaz de reorganizar toda a Eurásia continental.

A parceria estratégica Rússia-China, que facilita o acesso via Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) é extremamente atraente para obusiness alemão. Segundo minha fonte business/política, “Os EUA estão em guerra com China e Rússia (mas não Trump, nosso presidente), e a Alemanha está reconsiderando a situação em que ficará, de bucha de canhão nuclear para os EUA. Discuti isso na Alemanha, e eles estão pensando em renovar o Tratado de Resseguro com a Rússia. Ninguém confia nesse Congresso dos EUA. É visto como um hospício, casa de doidos. Merkel pode ser convidada para a liderança na ONU, e nesse caso o tratado será assinado. Sacudirá o mundo e porá fim a qualquer ideia que reste sobre os EUA como potência global, que já não são”.

A fonte acrescenta, em tom de quase euforia, que “achamos que Brzezinski morreu por efeito da pressão de compreender o que se aproximava e de ver que todo o trabalho dele, uma vida dedicada a tentar destruir a Rússia por causa do ódio que tinha à Rússia, estava começando a ser desfeito”.

Assim, em certo sentido, “bem-vindos aos anos 1930s outra vez, e ao crescimento do nacionalismo na Europa. Dessa vez, a Alemanha não cometerá os erros de 1914 e 1941, mas se posicionará contra seus tradicionais inimigos anglo-saxões. Os EUA realmente se converteram na Cartago de hoje. A desordem no Congresso norte-americano reflete estupidez idêntica à que se viu em Cartago, quando os exércitos cartagineses provocavam Roma. Os políticos cartagineses minaram o seu próprio gênio, Aníbal, assim como os políticos dos EUA estão minando o maior presidente que os EUA já tiveram desde Andrew Jackson. Como Sófocles escreveu em Antígona, ‘Os deuses primeiro enlouquecem àqueles a quem querem destruir'” O Congresso dos EUA enlouqueceu.

Nota dos tradutores: (*) Há um trocadilho intraduzível com “hill” [colina, como na canção dos Beatles] e “Hill”[que designa a específica colina do Capitólio, com Senado e Câmara de Representantes dos EUA]. E na canção dos Beatles trata-se de um específico doido, no singular; no subtítulo de Pepe Escobar, são vários doidos, plurais (NTs).