Morte sem glória em Mariopol

As lideranças da Divisão da Guarda Nacional Ucraniana A3OB, cercada em Mariopol, não quiseram compartilhar o destino dos seus comandados e demandaram um resgate. Este, no entanto, não lhes foi feliz.

Por: César A. Ferreira

A noite de 31 de março de 2022 ficará marcada nos anais militares por um fracasso ucraniano, no caso, da tentativa de resgate das lideranças militares ucranianas da cidade de Mariopol, completamente cercada e que vive o drama do combate urbano nos estágios finais. Ou seja, o momento do fracionamento das forças defensoras, encurraladas em cantões, sem possiblidade de efetuar apoio mútuo, em regime de disciplina restrita de fogo para economizar a munição escassa e com a mobilidade no espaço urbano comprometida. É o pior momento para os defensores, visto que os atacantes não precisam mais se expor e atacar com arrojo, bastando agora bater metodicamente quadra, por quadra, casa por casa, edifício por edifício, localizando e eliminando cada ponto forte inimigo, sem se revelar, usando para isso a combinação de armas mais adequada: ATGW, morteiros, artilharia de tubo, metralhadoras pesadas, drones suicidas, atiradores designados, saturação de área… Esta fase final do combate urbano é denominada com o nome prosaico de “varredura”.

A “varredura” não é um processo rápido, visto ser metódico, mas é bastante característico e um comandante minimamente competente sabe reconhecer o estágio na qual a batalha se encontra. Certamente os líderes ucranianos em Mariopol sabiam que o destino que lhes aguardava era a capitulação, ou a destruição. Donos de ambições que ultrapassam a dimensão estritamente militar, ao que parece, a “gloriosa morte em combate” não era um destino aceitável e compartilhá-lo com os seus comandados estava fora de questão, então, pressionaram Kiev para que houvesse um resgate. Este resgate foi tentado, mais de uma vez e… Mais de uma vez, fracassou.

O Fracasso épico é passível de ser reconstruído a partir do informe das forças russas e do depoimento de um dos sobreviventes, capturado; primeiramente vamos nos debruçar na versão dos captores:

A cúpula política ucraniana havia decidido resgatar dois importantes líderes militares de Mariopol: Denis Prokopenko, líder do A3OB Infantarie-Abteilung [1] e Vladimir Baranyuk, comandante da 36ª Brigada de Infantaria Naval. Foi enviado um helicóptero para resgate noturno que, no entanto, foi abatido em rota. Sem desistir deste propósito um segundo helicóptero foi enviado na noite seguinte e sofreu o mesmo destino.

O abate de duas aeronaves de asas rotativas em rota para Mariopol deveria desestimular tentativas posteriores neste sentido, mas a liderança ucraniana estava decidida em prosseguir. Na noite de 31 de março realizaram novamente a tentativa de resgate, logrando desta vez chegar no ponto de extração, quando então, após o início da perna de retorno foram alvejados por mísseis portáteis (MANPAD) FIM-82 “Stinger”, ironicamente cedidos pelos Estados Unidos às armas ucranianas e capturados pela milícia da República Popular de Donetsk e por eles operados. Dois helicópteros foram abatidos, um deles, com 17 ocupantes, destes 15 mortos. O outro caiu no mar, cerca de 20 km do ponto de impacto. Do primeiro helicóptero dois ocupantes sobreviveram a queda, um deles sem ferimentos aparentes e capaz de depor sobre o evento. O helicóptero estava fragmentado, com os seus restos exibindo marcas de explosão e alta temperatura.

Dentre os mortos foram identificados: Maxin Zhorin, Diachenko Maxin Igorovich, Timus Yuri Vladimirovich. Apesar de algumas fontes anunciarem a presença do corpo de Palamar Svyatoslav Yaroslavovich, não houve nenhuma confirmação a respeito. Os demais corpos não ofereceram possibilidade de reconhecimento/identificação.

A versão relatada pelo prisioneiro sobrevivente, oficial de inteligência de codinome “Belmak” [2] é a que segue (na voz do tomador do depoimento/interrogador): “Decolaram do aeródromo de Dnepropetrovsk, totalmente abastecidos e carregando munição. A formação consistia de 4 Mi-8 e um Mi-24 de cobertura. Dirigiram-se para o porto de Mariopol onde houve o desembarque da munição e o embarque das lideranças e de alguns feridos. Não pode (o informante) relatar sobre a sorte das demais aeronaves, apenas da sua aeronave, que foi alvejada por dois FIM-92 Stinger, sendo o primeiro desviado pelos flares, mas o segundo impactando com sucesso o helicóptero. Acredita que sobreviveu por estar na porta, junto a metralhadora lateral”. O seu relato é mais abrangente e informa que: “na noite anterior houve extração de feridos com helicópteros Mi-8. O total de feridos ucranianos evacuados seria de 30. Todos os voos foram realizados com altitude extremamente baixa”.

Temos então que os raids ucranianos para Mariopol cercada resultou em 4 helicópteros Mi-8 abatidos, segundo o Ministério da Defesa da Federação Russa, e em três segundo a admissão ucraniana (não oficial, advindo da informação do oficial capturado). Apesar da atenção galvanizada pela espetacularidade das imagens do helicóptero abatido e das ações de extração, não é isto que chama a atenção, mas a recusa de líderes de uma formação como o A3OV Infantarie-Abteilung não querer compartilhar a sorte com os seus comandados, preferindo arriscar-se numa extração muito arriscada. Isto devido a um fato notório: não são apenas líderes militares, também são líderes políticos. Não foram poucas as vezes que o líder do A3OV, “Kalima” [3], gravou vídeos patéticos clamando pelo “rompimento do cerco”, ou pelo “contra-ataque e expulsão dos russos” de Mariopol... Quanta ilusão, coitados, como se houvesse um Manstein disposto a salvá-los, porém, tais apelos formam ecos, criam pressões na cúpula ucraniana. Daí o esforço desesperado do regime em realizar as tentativas de resgate, ainda que arriscadas, tal como comprovada pela sorte sinistra do Mi-8MSB-V, nº 864, pertencente a 18ª Brigada Aérea de Poltava (Exército) [4], demonstrou. Nestes momentos a realidade da guerra se apresenta de maneira crua: nem sempre a fuga resulta na vida como prêmio; nem toda morte em combate é gloriosa por consideração.

Notas:
[1]: Apesar de conhecido como “Batalhão A3OV”, este autor prefere denominá-lo como divisão de infantaria, no alemão Infantarie-Abteilung, pois há muito ultrapassou o valor de batalhão. Na língua alemã o exército é denominado Heer; as forças armadas Wermacht; uma divisão de exército Armeedivision; se de granadeiros Grenadier – Division; caso seja uma divisão de Carros de Combate Panzerdivison e uma divisão blindada Panzergrenadier. Não é aplicada uma lógica linear na nomenclatura, visto que um corpo de exército é ArmeeKorps, quando vimos que o termo para exército é Heer.

O A3OV não é apenas uma formação militar, mas também um corpo político e de “colonização do Leste”, adotou a cidade de Mariopol como base, onde com constância exercia influência nos meios políticos locais, extorsão e participação forçada em empreendimentos econômicos, perseguição política, eliminação física de desafetos de toda ordem além de doutrinação ideológica. Como se vê era bem mais que um batalhão, que encontrou em Mariopol o seu fim.

[2]: os sobreviventes foram o Oficial da Diretoria Principal de Inteligência da Ucrania, codinome “Belmak” e o soldado da Infatarie-Abteilung A3OB, Dmtry Lobinsky.

[3]: Palamar Svyatoslav Yaroslavovich.

[4]: 18ª Brigada Independente de Aviação do Exército Ucraniano. Aeronave com designativo 864 “preto” (Black,ing.): Mi-8MSB-V – antigos Mi-8T/MT, remotorizados com TV3-117VMA-SBM1V-4E produzidos pela empresa Motor Sich de Zaporizhizhia, Ucrânia.

ARA San Juan: evento catastrófico


Por: César A. Ferreira

As últimas informações disponibilizadas levam a crer que o submarino S-42 ARA San Juan, sofreu um evento catastrófico, enquanto realizava derrota prevista para Mar del Plata, evento este acontecido às 10h51min da quarta-feira última, horário local (Buenos Aires) 15 de novembro de 2017. O local apontado para este evento registrado por hidrofones distribuídos pelo atlântico sul, corresponde as coordenadas de -46.12 (latitude) e -59.69 (longitude). Estas coordenadas resultam em cerca de 30 milhas náuticas distantes do ultimo contato do submarino, que se deu às 07h30min do horário local (Buenos Aires) e coincide com o ponto estimado de onde deveria estar o submarino de acordo com as informações passadas pelo comandante (Capitán de Fragata Pedro Martín Fernández), de que navegava à 5 nós com avarias em suas baterias (7 nós, contando com 2 nós de corrente marinha ascendente). A informação foi oficialmente disponibilizada pelo CTBTO – Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty Organization (ing.)  Esta informação foi disponibilizada, inclusive, pelo próprio Secretário Executivo da Organização, Sr. Lassina Zerbo, que afirmou textualmente em comunicado pessoal (Twiter):

 “Our hydroacoustic network detected an unusual signal near the last known position of #missing San Juan #submarine. The signal from an underwater impulsive event was detected 15 Nov 13:51 GMT, Lat -46.12 deg; Long: -59.69 deg. Details & data shared with Argentinian authorities”.

A comunicação pessoal do Secretário Executivo foi confirmada pelo comunicado oficial do órgão disponibilizado para a mídia:

“MEDIA ADVISORY – CTBTO HYDROACOUSTIC DATA TO AID IN SEARCH FOR MISSING SUB SAN JUAN

23 November 2017

On 15 November 2017 two CTBTO hydroacoustic stations detected an unusual signal in the vicinity of the last known position of missing Argentine submarine ARA San Juan.

Hydroacoustic stations HA10 (Ascension Island) and HA04 (Crozet) detected a signal from an underwater impulsive event that occurred at 13:51 GMT on 15 November. The location of the event is as follows: Event Latitude: -46.12 deg; Event Longitude: -59.69 deg which is in the vicinity of the last known location of the ARA San Juan.

Details and data are being made available to the Argentinian Authorities to support the search operations that are underway.

The hydroacoustic stations are part of the CTBTO’s International Monitoring System (IMS) which monitors the globe continuously for signs of nuclear explosions. Low frequency underwater sound, which can be produced by a nuclear test, propagates very efficiently through water. Consequently these underwater sounds can be detected at great distances, even thousands of kilometres, from their source. This is why the IMS requires only eleven hydroacoustic stations to effectively monitor the world’s oceans. HA04 at Crozet Island (France) was certified in June 2017 as the final of these eleven stations.”(…)

O evento comunicado  foi endossado pelo comando da Armada Argentina quem em uma coletiva de imprensa, na pessoa do porta-voz da Armada, oficial Enrique Balbi, realizada nesta manhã, expressou-se de maneira direta aos correspondentes presentes:

“(…) hubo um evento anómalo, singular, corto, violento y no nuclear, consistente com uma explosíon (…)  No conoecemos la causa que produjo em esse lugar, em esa fecha, um evento de essas características”.

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Localização e profundidade relativa do ultimo contato e do local da Anomalia hidroacústica. Infográfico> La Nacion.

A hipótese comentada como a mais tangível dentre todas as especulações, formada a partir das informações das avarias comunicadas pelo capitão, indicam a formação de um arco voltaico advindo do curto-circuito presente no painel de baterias. A formação de um arco elétrico em um ambiente fechado poderia resultar em graves danos e casualidades imediatas, principalmente se houver concentração de hidrogênio advindo das baterias. É evidente, todavia, que apenas uma vistoria pericial no casco sinistrado do S-42 ARA San Juan poderá colocar a termo as reais causas do acidente.

Este presente contexto leva a crer pela infelicidade total da tripulação do S-42 ARA San Juan, vitimada por um naufrágio provocado por catastrófico evento, uma explosão devastadora. O projeto do TR-1700 consiste de duas secções estanques, dianteira e traseira, todavia, tomando que a referida explosão tenha se dado em uma destas, o tempo já decorrido de 8 dias, não é alentador para a possibilidade de qualquer um dos submarinistas que por ventura tenham sobrevivido ao evento. Neste caso, contanto com o realismo, ainda que taxado de pessimismo, por razões compreensíveis, pode-se tratar a presente operação de resgate em andamento como uma operação de recuperação, ou seja, contando-se que cada um dos submarinistas seja agora uma casualidade. Neste dado momento três belonaves da Armada Argentina executam na área designada varredura com sonares no módulo ativo, e um P-3AM da FAB – Força Aérea Brasileira foi convocado para auxílio, pois dispõe do sensor MAD, inexistente nos P-8A da USNAVY.

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Navio de pesquisas oceanográficas Yantar. Imagem: Shipspotting.

Yantar. O presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, ordenou que o navio oceanográfico Yantar, que se encontra na costa africana em missão, se dirija imediatamente para a costa argentina, com o intuito de integrar-se ao esforço de localização do ARA San Juan. Ainda que as possibilidades de resgate sejam irrisórias, o Yantar conta com sensores de varredura lateral, capazes de localizar objetos até a profundidade de 6.000 metros.

Nota do Editor: dado o atual momento, não se entende o motivo da Marinha do Brasil e do Ministério da Defesa de não terem enviado junto com o Navio de Socorro Submarino K-11 “Felinto Perry”, o Navio de Pesquisa Hidroceanográfico H-39 “Vital de Oliveira”, que dispõe de um sonar de varredura lateral operativo até a profundidade de 4.000 metros..

Nota do Editor (2): este editor foi informado há pouco, que o Navio de Pesquisa Hidroceanográfico H-39 “Vital de Oliveira” se encontrava em missão nas águas dos rochedos oceânicos de São Pedro e São Paulo. Este é um motivo suficiente para o não envio deste navio às águas argentinas. Por uma razão de honestidade editorial não foi alterada a primeira nota, mas publicada esta segunda.