Batom na cueca em Kramatorsk

Por: César A. Ferreira

Existe uma expressão brasileira bastante disseminada e alusiva à indiscrição amorosa masculina, em especial, a falha do cônjuge em esconder o ato de adultério. Esta expressão é conhecida como… “Batom na cueca”. De fato, a presença da marca fatal de batom na roupa íntima não compreende uma desculpa possível. Popular, este dito é conhecido e utilizado no Brasil para aludir a todas as falhas explícitas, flagrantes, onde desculpas não podem ser aceitas. Pois, tal aconteceu na guerra ucraniana, nesta data de 8 de abril, na cidade de Kramatorsk, atingida por um bombardeio cruel, cujos vestígios, tal como batom na cueca, acabaram por indicar com certeza plena, o autor.

Pela manhã, na estação ferroviária de Kramatorsk, onde populares se aglomeram para embarcar em trens e fugir da proximidade da guerra, explosões repetidas se deram, advindas de ogivas de mísseis balísticos táticos, que ocasionaram na morte de 52 pessoas e ferimentos em outras 100. Esta tragédia foi de imediato atribuída à ação pérfida dos russos, sem meias palavras. O meio utilizado seria o míssil 9K120 “Iskander”… Acontece, que para o imenso azar do Ukroreichspropagandaministerium [1], a espoleta de um dos mísseis não funcionou, a cabeça de guerra não detonou e o corpo insolente do míssil repousou no gramado em frente da estação com as suas formas acusadoras: era um míssil OTR-21 “Tochka-U”. Em outras palavras, uma arma da Ukorwermacht [2]

O pior para o querido e ocupadíssimo Ukroreichspropagandaministerium é que o “míssil delator” (na verdade o propulsor) não só entregou a nacionalidade dos responsáveis pelo ataque, como a direção, no caso sudoeste, e portanto, a unidade de artilharia que efetuou o tenebroso ataque: trata-se da nefasta 19ª Brigada de Artilharia de Mísseis, neste momento acantonada na localidade de Dopropolye, distante 45 km do alvo, Kramatorsk. Esta unidade é a responsável pelo bombardeio criminoso de Donetsk em 14 de março último, que vitimou 17 pessoas e feriu outras tantas. A brigada em questão, aliás, sofreu o dissabor seis dias após o crime cometido em Donetsk, quando um “meio de precisão” destruiu lançadores da unidade e ocasionou a morte da sua comandante, Alexandra Burgart [3] e de mais oito artilheiros. Isto, no entanto, não poderia ser um obstáculo intransponível para os propagandistas ministeriais que rapidamente sacaram uma foto dum lançador “Tochka” junto a uma coluna de veículos russos. Pouco importa se o veículo em questão fosse bielorrusso, que estava em manobras antes da guerra e em pleno solo da Bielorrússia. Não importa, o que vale é a narrativa.

Existe, todavia, um terreno onde a emocionalidade barata tão cara aos meios de comunicação ocidentais (CNN, BBC, DW, RTP…) não conseguem afetar, dado que em geral se movem pela racionalidade, que são os fóruns de discussão de assuntos militares e tecnológicos. Nestes espaços o conhecimento de meios militares se faz presente, bem como dos utilizadores destes, e desta maneira ventilou-se ao mundo a informação simples que os mísseis Tochka foram retirados de linha e completamente substituídos no Exército da Federação Russa em… 2020. A pergunta que sobra, então, é o motivo para se atacar uma estação ferroviária de uma cidade que se encontra em seu próprio poder. Por que o governo ucraniano cometeria esse desatino? Fácil de entender… Acontece que o Ukroreich considera as populações das cidades de Kramatorsk e Slavyansk como desleais, tanto que no Donbass o direito de voto foi suprimido. A população de Kramatorsk está fugindo, literalmente esvaziando a cidade em vista da possibilidade nada remota dela se tornar uma nova Mariopol. Esta fuga priva as forças ucranianas do precioso “escudo humano” e a ação de disparar sobre a concentração de populares na estação é apenas um ato de vingança. Compreensível, pois isto faz parte do espírito nazista: da wunderwaffe V-2 ao Tochka-U nada mudou, apenas o tempo passou.

Notas
[1]: Ukroreichspropagandaministerium – Em alemão: Ministério da propaganda do Ukrogoverno. Termo alusivo ao Reichpropagandaministerium da Segunda Grande Guerra.

[2]: Ukrowermacht – Em alemão: Forças Armadas, alusivo ao termo Wermacht da Segunda Grande Guerra.

[3]: Detinha a patente de Coronel, como é comum nas Brigadas ucranianas. As formações ucranianas denominadas de “Brigadas” em geral possuem efetivo bem menor que as suas equivalentes ocidentais, não raro no valor de um regimento, ou um pouco maior do que isto. Brigada ocidental (infantaria): 7.000 até 9.000 combatentes. Regimento (infantaria): 2.000 até 3.000 combatentes.

Nota do Editor:

Após a publicação desta matéria houve a veiculação de registro do numero de série do propulsor do míssil Tochka-U encontrado no gramado em frente a estação de Kramatorsk, trata-se do míssil Sh 91579. Isto comprova, indelevelmente, que o míssil em questão é uma arma ucraniana, visto ser esta numeração seriada presente no inventário ucraniano. Ademais, outros propulsores encontrados noutras cidades vitimadas pelos ucranianos possuem numerações aproximadas, igualmente presentes no mesmo inventário. Realmente este é o “batom na cueca”.

A descoberta desta numeração se deu graças ao trabalho jornalístico do correspondente de nacionalidade italiana: Fabio Mario Angelicchio, que foi apresentado no programa apresentado por Enrico Mentana, canal La7.

Muito mais que uma “Wunderwaffe”

Por: César Antônio Ferreira

O afamado autor australiano Tom Cooper, dono de inúmeras publicações sobre conflitos, notadamente sobre as refregas aéreas do Oriente Médio, em meio a cobertura deste conflito ucraniano disparou sobre o Kh-47M2: “Wunderwaffe”…  Mas, o que vem a ser isso? Qual foi o motivo para o uso desta expressão? A primeira pergunta é mais fácil de explicar. O termo Wunderwaffe ´provém do alemão e a sua tradução para o português pode ser entendida como “arma maravilhosa”, “arma miraculosa”, ou “superarma”. É um termo cunhado pelo Ministério da Propaganda do Reich para nomear as armas de tecnologia inovadora desenvolvidas pela claque nazista durante a Segunda Grande Guerra. Os exemplos são conhecidos: V-2 (A-4), V-1 [1], Bachem Ba 349 e segue… A lista é extensa e poucos destes desenvolvimentos se concretizaram. Já a segunda pergunta…

Para responder a segunda pergunta, do motivo do uso deste termo para designar o míssil russo é preciso, antes, descrevê-lo. O míssil Kh-47 M2 “Kinzhal” (Adaga), é um míssil autônomo aerolançado por vetores MiG-31K e Tu-22M3, com cerca de 1900 km de alcance e capaz de atingir velocidades da ordem de 9000 km/h (em testes atingiu 14.200 km/h)… Trata-se, portanto, de um míssil hipersônico. Transporta cargas como ogivas nucleares de 100kt, ou 500kt e exibe na sua versão convencional uma cabeça de guerra de 500 kg (HE). Pré – programado, o seu sistema de orientação é inercial (INS) com ajuste por sinais Glonass. Atinge o teto de 65.600 pés e possui a capacidade de manobra e de trajetórias semi – balísticas. Com tais características não há defesa para este sistema, ou seja, não há como interceptá-lo.  Entrou em serviço em 2017 e foi utilizado agora para destruir as instalações subterrâneas de armazenamento de munição do exército ucraniano em Delyatyn, região de Ivano – Franckovsk.

Pois bem, agora podemos responder o motivo do termo Wunderwaffe estar sendo utilizado. Simplesmente está sendo proferido com conotação pejorativa, e o motivo é um dos sentimentos mais conhecidos da alma humana: a inveja. Até o momento não existe nada parecido nos arsenais ocidentais e todos os testes com protótipos acabaram em fracasso, ao se fazer uso do termo estão consolando o sentimento de inferioridade com a correlação histórica de que a Alemanha, com tais armas, não foi capaz de reverter o quadro de derrota militar. Todavia, para a infelicidade destes analistas o contexto sequer é análogo. Em 1944 a Alemanha estava retroagindo em todas as frentes, sofrendo perdas catastróficas de material e de combatentes, principalmente na sua frente oriental, estrangulada nas suas cadeias produtivas e de transporte logístico. Já nesta guerra ucraniana vemos a Federação Russa como senhora de mais de 25% do território ucraniano, não contestada no espaço aéreo e travando esta guerra com menos de 200.000 homens em armas. Sei bem que dói profundamente no coração de muitos, mas não adianta dourar a pílula: a Rússia não está perdendo a guerra… Está ganhando.

Um conflito é o melhor momento para testar um sistema de armas novo e a escolha dos alvos do Kinzhal reflete isso muito bem: um depósito subterrâneo de armas/munições e uma ampla área de tancagem de derivados de petróleo. A área de tancagem foi completamente arrasada, com o incêndio decorrente do ataque tendo consumido as reservas de derivados lá estocadas. Este ataque ocorreu nos arredores de Konstantinovkha, região de Nicolayev. Entretanto, é o ataque inicial que chama atenção, por se dar em um alvo muito difícil, trata-se de uma bela herança soviética: “Base Central de Armazenamento de Armas Nucleares Ivano – Frankovsk 16” [2]. Comissionada no ano de 1955. Possui como característica salões para armazenamento em grande profundidade, dado a arquitetura de mina, com estrutura protegida próxima da superfície. Não se conhece, pois, a capacidade de penetração e destruição do míssil Kinzhal, dado que é hipersônico, mas se tem por certo a destruição das estruturas superiores inutilizando a estrutura em sua função por desabamento, isto, caso não tenha havido a detonação secundária das armas armazenadas. Observe, caro leitor, que os alvos foram escolhidos especificamente para testes de campo desta arma e ela passou nestes testes. Daí que todo comentário visto de pretensos analistas de que “a Rússia está esgotando os seus mísseis de cruzeiro”, “os Iskanders estão acabando” [3], ou “nada influi no curso da guerra” [4], só espelham o medo e a recusa de encará-lo como tal. Pois a Rússia produz de maneira totalmente autônoma os seus sistemas de armas e trava esta guerra em rublos. Não aceitar que a Rússia possui um sistema operacional, testado e validado em combate e sem análogo no ocidente revela o intenso amargor da alma imperialista ocidental, notadamente do espectro anglo-saxão, de que não mais são o centro do mundo. Inveja é a palavra.

Notas:

[1]: Vergeltungswaffe – o termo alemão justificava o designação abreviada pela letra “V” cujo significado em português é “Arma de Vingança”.

[2]: Também designado como “Object 711”. Foi construída numa encosta de montanha, possui facilidades como heliportos e área para estocagem de combustível.

[3]: 9K720 – Míssil balístico de curto alcance.

[4]: Afirmar que a destruição de estruturas estratégicas como um depósito de munições protegido e uma área extensa de armazenamento de combustíveis e lubrificantes não terão influência numa guerra, nada mais é do que tentar ajustar a narrativa sem ter respeito algum pelo leitor. Sem combustível você se imobiliza e sem munição não se luta.