Muito mais que uma “Wunderwaffe”

Por: César Antônio Ferreira

O afamado autor australiano Tom Cooper, dono de inúmeras publicações sobre conflitos, notadamente sobre as refregas aéreas do Oriente Médio, em meio a cobertura deste conflito ucraniano disparou sobre o Kh-47M2: “Wunderwaffe”…  Mas, o que vem a ser isso? Qual foi o motivo para o uso desta expressão? A primeira pergunta é mais fácil de explicar. O termo Wunderwaffe ´provém do alemão e a sua tradução para o português pode ser entendida como “arma maravilhosa”, “arma miraculosa”, ou “superarma”. É um termo cunhado pelo Ministério da Propaganda do Reich para nomear as armas de tecnologia inovadora desenvolvidas pela claque nazista durante a Segunda Grande Guerra. Os exemplos são conhecidos: V-2 (A-4), V-1 [1], Bachem Ba 349 e segue… A lista é extensa e poucos destes desenvolvimentos se concretizaram. Já a segunda pergunta…

Para responder a segunda pergunta, do motivo do uso deste termo para designar o míssil russo é preciso, antes, descrevê-lo. O míssil Kh-47 M2 “Kinzhal” (Adaga), é um míssil autônomo aerolançado por vetores MiG-31K e Tu-22M3, com cerca de 1900 km de alcance e capaz de atingir velocidades da ordem de 9000 km/h (em testes atingiu 14.200 km/h)… Trata-se, portanto, de um míssil hipersônico. Transporta cargas como ogivas nucleares de 100kt, ou 500kt e exibe na sua versão convencional uma cabeça de guerra de 500 kg (HE). Pré – programado, o seu sistema de orientação é inercial (INS) com ajuste por sinais Glonass. Atinge o teto de 65.600 pés e possui a capacidade de manobra e de trajetórias semi – balísticas. Com tais características não há defesa para este sistema, ou seja, não há como interceptá-lo.  Entrou em serviço em 2017 e foi utilizado agora para destruir as instalações subterrâneas de armazenamento de munição do exército ucraniano em Delyatyn, região de Ivano – Franckovsk.

Pois bem, agora podemos responder o motivo do termo Wunderwaffe estar sendo utilizado. Simplesmente está sendo proferido com conotação pejorativa, e o motivo é um dos sentimentos mais conhecidos da alma humana: a inveja. Até o momento não existe nada parecido nos arsenais ocidentais e todos os testes com protótipos acabaram em fracasso, ao se fazer uso do termo estão consolando o sentimento de inferioridade com a correlação histórica de que a Alemanha, com tais armas, não foi capaz de reverter o quadro de derrota militar. Todavia, para a infelicidade destes analistas o contexto sequer é análogo. Em 1944 a Alemanha estava retroagindo em todas as frentes, sofrendo perdas catastróficas de material e de combatentes, principalmente na sua frente oriental, estrangulada nas suas cadeias produtivas e de transporte logístico. Já nesta guerra ucraniana vemos a Federação Russa como senhora de mais de 25% do território ucraniano, não contestada no espaço aéreo e travando esta guerra com menos de 200.000 homens em armas. Sei bem que dói profundamente no coração de muitos, mas não adianta dourar a pílula: a Rússia não está perdendo a guerra… Está ganhando.

Um conflito é o melhor momento para testar um sistema de armas novo e a escolha dos alvos do Kinzhal reflete isso muito bem: um depósito subterrâneo de armas/munições e uma ampla área de tancagem de derivados de petróleo. A área de tancagem foi completamente arrasada, com o incêndio decorrente do ataque tendo consumido as reservas de derivados lá estocadas. Este ataque ocorreu nos arredores de Konstantinovkha, região de Nicolayev. Entretanto, é o ataque inicial que chama atenção, por se dar em um alvo muito difícil, trata-se de uma bela herança soviética: “Base Central de Armazenamento de Armas Nucleares Ivano – Frankovsk 16” [2]. Comissionada no ano de 1955. Possui como característica salões para armazenamento em grande profundidade, dado a arquitetura de mina, com estrutura protegida próxima da superfície. Não se conhece, pois, a capacidade de penetração e destruição do míssil Kinzhal, dado que é hipersônico, mas se tem por certo a destruição das estruturas superiores inutilizando a estrutura em sua função por desabamento, isto, caso não tenha havido a detonação secundária das armas armazenadas. Observe, caro leitor, que os alvos foram escolhidos especificamente para testes de campo desta arma e ela passou nestes testes. Daí que todo comentário visto de pretensos analistas de que “a Rússia está esgotando os seus mísseis de cruzeiro”, “os Iskanders estão acabando” [3], ou “nada influi no curso da guerra” [4], só espelham o medo e a recusa de encará-lo como tal. Pois a Rússia produz de maneira totalmente autônoma os seus sistemas de armas e trava esta guerra em rublos. Não aceitar que a Rússia possui um sistema operacional, testado e validado em combate e sem análogo no ocidente revela o intenso amargor da alma imperialista ocidental, notadamente do espectro anglo-saxão, de que não mais são o centro do mundo. Inveja é a palavra.

Notas:

[1]: Vergeltungswaffe – o termo alemão justificava o designação abreviada pela letra “V” cujo significado em português é “Arma de Vingança”.

[2]: Também designado como “Object 711”. Foi construída numa encosta de montanha, possui facilidades como heliportos e área para estocagem de combustível.

[3]: 9K720 – Míssil balístico de curto alcance.

[4]: Afirmar que a destruição de estruturas estratégicas como um depósito de munições protegido e uma área extensa de armazenamento de combustíveis e lubrificantes não terão influência numa guerra, nada mais é do que tentar ajustar a narrativa sem ter respeito algum pelo leitor. Sem combustível você se imobiliza e sem munição não se luta.