O atributo da mentira

Por: César A Ferreira

O grande atributo da mentira é fornecer ao mentiroso contumaz o álibi da naturalidade dos seus atos.

A semana corrente foi abalada com uma séria acusação da Federação Russa contra os EUA e a Ucrânia, acusação esta, diga-se que versava sobre um assunto sensível: armas de destruição em massa. No caso, da vertente biológica, ou seja, especificamente a Federação russa acusou que os EUA financiavam pesquisas de patógenos extremamente agressivos em laboratórios localizados em várias cidades da Ucrânia, entre elas Kharkov.

De imediato a República Popular da China exigiu dos EUA “esclarecimentos” sobre tais laboratórios e sobre as pesquisas neles realizadas. É interessante notar que a nota chinesa foi diretamente endereçada aos EUA, ignorando a Ucrânia como agente político… A Federação Russa, elevou o tom explicitando que os patógenos pesquisados, tão perto da fronteira, só poderiam ter nítida função agressiva, ou seja, a de promover e controlar testes de campo que viesse a infectar a população fronteiriça e por extensão a população russa. Acusações pesadas.

O costume da mídia ocidental [1] de proteger a Ucrânia e os EUA logo se fez presente e tratou de carimbar a acusação russa de fantasiosa até… A impoluta e majestosa Subsecretária de Estado Para Assuntos Políticos dos EUA, Victoria Nuland, de maneira totalmente inadvertida, confirmar as alegações russas por meio das suas próprias palavras. Disse Nuland: “Existem instalações de pesquisa biológica na Ucrânia. Na verdade, estamos preocupados que as forças russas tentem assumir o controle”.

Como é? Os laboratórios existem, trabalham com pesquisas biológicas? Os russos não podem ter acesso? Ora, ora, isto é revelador da existência de um programa biológico e do conhecimento das autoridades dos EUA sobre a localização dos laboratórios e do teor das pesquisas realizadas.  

E como sempre, o que é ruim pode ficar pior: o veículo informativo Al Mayadeen Espanõl, repercutindo matéria do veículo informativo The National Pulse, bem como do informativo indiano Great Game Índia, revela que os interesses associativos entre os EUA e a Ucrânia são antigos e profundos… Simplesmente a associação para a construção de laboratórios na Ucrânia pode se recuada até longínquo ano de 2005! Neste ano foi firmado convênio entre o Departamento de Defesa dos EUA e o Ministério da Saúde da Ucrânia. O projeto correu e temos no ano de 2010 o jovem senador por Illinois, Barack Obama, junto com outro senador, Dick Lugar, ambos extremamente envolvidos na concretização do Laboratório de Contenção Biológica Nível III na cidade de Odessa, litoral do Mar Negro. Estas informações se encontram no artigo “Biolab Open in Ukraine” [2], recuperado pelo informativo Great Game Índia, que reporta como fonte a edição número 818 do Jornal de Divulgação do Centro de Contraproliferação da Força Aérea dos EUA (USAF, ing.), e como se não bastasse, no ano seguinte, 2011, um relatório da Academia Nacional de Ciências dos EUA, mais precisamente do “Comitê de Antecipação dos Desafios de Biossegurança da Expansão Global dos Laboratórios de Alta Contenção” [3], apontava:  “O laboratório atualizado funciona como um Laboratório Central de Referência Provisional com um Depozitarium (coleção de patógenos). A normativa ucraniana exibe permissão para trabalho com bactérias e vírus do primeiro e segundo grupo de patógenos”

O que é mais revelador são os patógenos pesquisados: Ébola, Influenza, Zika… Sarampo, Cólera (vibrião), entre outros. Todos eles estudados com os métodos virológicos, moleculares e sorológicos. Tais métodos devidamente descritos em relatórios das empresas dos EUA, gerenciadoras dos laboratórios ucranianos, que foram listadas como sendo as seguintes: Southern Research Institute (SRI); Black & Veatch Special Project Corp.; CH2M Hill e Metabiota.

Percebe-se, pois, que as acusações afloradas são robustas, consistentes, e independem para a credibilidades destas da indiscrição da senhora Nuland. Aliás, a inteligência da Subsecretária é com constância colocada em questão por analistas, como é o caso do apresentador e comentarista da rede Fox News, Tucker Carlson. Ainda que motivações advindas da política interna dos EUA promovam tais recriminações, o fato é que independente disto a senhora Nuland e os EUA foram pilhados como mentirosos, jogando por terra toda a credibilidade existente no esforço contra a proliferação de armas de destruição em massa por parte dos Estados Unidos, dado o fato de que patrocinavam em território estrangeiro esta mesma proliferação (armas biológicas). Se o caro leitor não percebe maior indignação no mundo para com tal revelação, se deve entre outros fatores, ao incrível fenômeno que transforma a mentira em algo natural quando o mentiroso é vezeiro, contumaz. Ninguém liga, ainda que a mentira seja escabrosa… É por isso que a Secretária de Imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, em virtude de tudo isso tem a coragem de dizer: “Agora que a Rússia fez falsas alegações, e a China aparentemente apoiou essa propaganda, todos nós precisamos estar vigilantes porque a Rússia pode usar armas químicas, ou biológicas na Ucrânia ou encenar uma provocação de falsa bandeira usando-a contra nós. Este é um padrão claro (…)”.

Uma tentativa tosca de responsabilizar Moscou pelos erros cometidos, via de regra, em Washington, quase uma declaração do que pretendem fazer, ou seja, realizar a “mágica” que nunca convenceu na Síria. Portanto, podemos dizer: nada disso, caríssima senhora Psaki, o padrão claro e repetitivo é a mentira vociferada por vocês de maneira insistente e exaustiva, como se outra coisa não soubessem fazer.

Notas:
[1]:
O jornal brasileiro “O Estado de São Paulo” publicou matéria afirmando ser a existência desses laboratórios como “teoria da conspiração”.

[2]: Artigo “Open Labs In Ukraine”. Data da publicação: 18 de julho de 2010. Autora: Tina Redlupe. Veículo informativo: The USAF Counterproliferantion Center’s Outreaach Journal. Nº 818.

[3]: The United States National Academy of Sciences’ Committee on Anticipating Biosecurity Challenges of the Global Expansion of High-Containment Biological Laboratories.