ARA San Juan: desnecessária polêmica com os acumuladores

A mídia argentina parece ter mais interesse em ajustes de contas políticos do que perscrutar as verdadeiras causas do acidente com o ARA San Juan.

Por: César A. Ferreira

O mistério quanto ao destino do ARA San Juan permanece, todavia, para alguns analistas políticos argentinos e órgãos de mídia, o que vale é buscar um ajuste de contas com os adversários políticos, que estavam no poder durante a longa revitalização de meia-vida do ARA San Juan. Isto se dá focado em um simples fato:  de os jornalistas dos principais meios de comunicação argentinos terem descoberto que os acumuladores do submarino sinistrado não eram novos, mas “recondicionados”.

Não foi uma descoberta difícil, convenhamos, afinal, na página do Estaleiro Tandanor, que trata com orgulho do trabalho efetuado no S-42 ARA San Juan está declarado com todas as letras:

“Baterías

Tambiém se realizó un replacado integral de cada una de las 960 baterías que hacem funcionar al submarino y se repararon las válvulas y demás mecanismos del submarino para alcanzar su condición original”

Este detalhe da revitalização do submarino associado ao conteúdo da última mensagem do Capitán de Fragata Pedro Martín Fernández que relatava avarias no painel de baterias dianteiro, somado ao agora afamado sinal “hidroacústico, anômalo e não nuclear”, resultou nos culpados: os antigos ocupantes do poder, incluídos os ministros da defesa durante os últimos períodos, Garré e Rossi, sem falar da antiga dignitária. O fato disto lançar uma sombra no Estaleiro Tandanor, nos engenheiros e técnicos que trabalharam na revitalização do S-42 ARA San Juan, ao que parece não vem ao caso.

A mídia não especializada foca que a escolha por recondicionar os acumuladores deu-se em função dos custos, apontando para isso os valores correspondentes de cinco milhões de euros pelo conjunto de 960 baterias novas. Esquece tal mídia que a empresa que “recondicionou” as baterias Varta 14UR12F, o fez sob supervisão da Hawker GmBH, nome da empresa que havia absorvido a fabricante original, Varta GmBH. Não só isso, como o fato de que o processo de revitalização das referidas baterias envolveu não só a troca de placas, como dos diodos, válvulas e conectores, cujo serviço contou com garantia dado pelo fabricante, de seis anos.  Eram baterias novas, pode-se afirmar, pois, de antigo somente a carcaça. Ademais, a fabricação de baterias de Chumbo/Ácido não é algo longe do horizonte industrial latino-americano, para se ter uma ideia a empresa brasileira Saturnia fornecia para os submarinos da Marinha do Brasil baterias feitas no país (Brasil), concebidas com tecnologia alemã durante as décadas de 80 e 90. Ademais, o submarino foi testado e admitido pela Armada da República Argentina em 2014. Estamos em 2017.

Explosão

Acredita-se que a hipótese mais forte para uma explosão, tal como registrado pelos hidrofones do CTBTO – Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty Organization (ing.) , sejam advindos de uma concentração de gás hidrogênio, proveniente das baterias e que atingiu a concentração fatal de 5%, ou mais, momento em que se torna explosivo no caso de haver uma fagulha, tal como um arco-voltaico nascido de um curto-circuito no painel de baterias. É uma hipótese que tem a força do indício fornecido pelo órgão internacional, todavia para que isto viesse acontecer deveria haver uma cadeia de avarias, a começar pelos instrumentos de monitoramento de gases.

Maapa-explo
O ponto “A” é aquele do evento “anômalo” e não nuclear, enquanto o ponto “B” é o do último contato.

É difícil, mas não impossível. Em 2010, quando fundeado em Visakhapatnam, o submarino designativo S-63 INS Sindhurakshak apresentou incêndio em suas baterias, ocasionando casualidades: um morto e dois feridos. A concentração não detectada de hidrogênio foi a responsável, estando acima de 3%.

Aceitando-se que o S-42 ARA San Juan foi vitimado por esta cadeia de acontecimentos que por ventura tenha resultado em uma catastrófica explosão, fica uma dúvida: teria tal explosão advinda da concentração de hidrogênio, provocada por uma fagulha elétrica, capaz de romper o casco de pressão?
Outra pergunta se faz: seria incapacitante de toda a tripulação caso tal explosão tenha sido contida pelo casco? Ou ainda… Dado o fato de que a característica do projeto TR-1700 é a de possuir dois grandes compartimentos estanques, dianteiro e posterior, que a tripulação abrigada possa ter sobrevivido ao evento anômalo, intenso e catastrófico?

Evidentemente não tenho as repostas, mas as analogias com o Kursk fazem-se sentir.

Kursk-0002
Kursk após ser retirado do fundo do Mar de Barents. Os estragos são bem evidentes. Imagem: internet.

Kursk

Tal como a hipótese favorita para o sinistro do ARA San Juan, o Kursk foi vitimado por uma catástrofe, neste caso a culpa recai em um torpedo de 650mm, modelo 65-76, denominado pelas tripulações como “Gordo” e também chamado de “Baleia”. O seu instável combustível propulsor a base de peróxido de hidrogênio é apontado como responsável pelo desastre.

Fato por muitos conhecido é o abrigo dos sobreviventes no último compartimento do submarino, o compartimento nº 9. Muitos acreditam que estes sobreviventes morreram devido à mortal concentração de dióxido de carbono, por sua vez motivada pela extrema demora no resgate. Não foi bem assim. Os sobreviventes faleceram em grupo, entre as 19 e as 20 horas do dia 12 de agosto de 2000. Ou seja, não muito depois do naufrágio por uma infelicidade da tripulação sobrevivente, que na escuridão e em um compartimento alagado, viu-se forçada a trocar as partes de um aparelho sequestrador de dióxido de carbono, mas cujas partes reagentes inflavam-se na presença de óleo e de água. Houve um incêndio resultante desta reação que consumiu todo o ar respirável. Aqueles que estavam próximos ao procedimento de troca morreram queimados, desfigurados, e os demais caíram inconscientes devido ao envenenamento por monóxido de carbono.

As semelhanças possíveis, creio, param por aqui, visto que no tocante ao S-42 ARA San Juan têm-se apenas especulações, algo bem diferente do Kursk, cujo naufrágio é bem conhecido e narrado pelo motivo simples de ter sido resgatado do fundo do mar em uma operação complexa e custosa, muito custosa, pois sangrou os cofres da Federação Russa em mais de 135 milhões de dólares norte-americanos.

Neste presente momento o ARA San Juan sequer foi localizado, mas como submarino diesel-elétrico compartilha a semelhança com o infortúnio do submarino francês Eurýdice, que também tem em uma explosão a causa do seu naufrágio.

Eurýdice
Eurydice repousando no fundo do Mediterrâneo. Imagem: internet.

Outra hipótese para a tragédia do S-42 ARA San Juan repousa na admissão de água pelo seu snorkel, bem como pela presença de água nas baterias, que resultariam em contaminação do ambiente por gás de cloro. Este foi o fim do submarino chinês “361”, cuja admissão de água salgada nos painéis de baterias resultou em contaminação e morte por asfixia dos 70 submarinistas do referido submarino. Esta hipótese não casa com a explosão “anômala”, mas este redator pensa que tal registro deva servir como indício e não como norte a ser seguido cegamente.

Por fim fica a percepção de que as armadas sul-americanas precisam, urgentemente, de meios para resgate e socorro submarino que sejam mais eficientes do que os existentes. O navio “Cabo de Hornos” da Armada do Chile é novo, mas não é dedicado à função, o “Vanguardia” da Armada do Uruguai não consegue manter-se operacional, além de apresentar limitações evidentes e o NSS K-11 “Felindo Perry”, apesar de suficientemente equipado para resgate até a profundidade de 300 metros,  arrastou-se pela costa brasileira até chegar ao “Mar Argentino”. Ter uma frota de submarinos sem meios consistentes de resgate parece ser mais um atropelo da lógica, dentre tantos deste continente.

Nota do Editor: viceja nas redes sociais argentinas a teoria conspiratória de que o ARA San Juan fora torpedeado. Argumentam para isso com a explosão e com a presença dos “buzos tacticos”, que segundo os conspiradores empreenderam uma missão em “las islas Malvinas”, acrescentam que a coordenada da explosão não coincide com a coordenada estimada do submarino de acordo com a velocidade informada de 5 nós…
Desmontando a teoria conspiratória devemos dizer que a posição estimada deve ser calculada com a velocidade acrescida pela corrente ascendente das Malvinas, que dá a embarcação mais dois nós. Nada impede que o capitão tenha seguido a sua derrota acima dos 5 nós informados. No tocante aos interesses britânicos resta saber que ganho teriam em torpedear um submarino argentino, justamente quando o dignitário atual não faz menção em lutar pela soberania das ilhas… Não faz sentido. A pergunta, portanto, que se deve fazer quando se lê, ou se ouve uma barbaridade destas é saber quem ganharia com um ato como este. Ao se perceber que ninguém nada ganharia com tal ato, tem-se a resposta: uma teoria de loucos, para doidos.

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