A morte desperdiçada de um herói

Por: César A. Ferreira

Na data de 25 de fevereiro, com o breu a cobrir a capital ucraniana, um relâmpago cruzou os céus e irrompeu numa espetacular bola de fogo, naquele exato momento, um homem deixava a vida para tornar-se um herói, o seu nome: Oleksandr Oksanchenko. Para os íntimos “Grey Wolf” (Lobo Cinza, ou Lobo Cinzento).

Oficialmente declarado como “Herói da Ucrânia” pela presidência do país no dia primeiro último, o conhecido Coronel Okasanchenko era um piloto habitual em demonstrações aéreas com o majestoso Su-27, o mais capaz dos caças do inventário ucraniano. Quando foi abatido a responsabilidade foi atribuída a uma bateria de BuK-M1 da defesa antiaérea ucraniana, seria, portanto, “fogo amigo”. Entretanto, dado o fato da defesa antiaérea ter negado qualquer disparo naquela noite, a desconfiança foi endereçada aos russos, cujos meios de comunicação atribuíam ao fogo amigo o abate do Su-27, negando assim qualquer alegação de vitória. Dado o fato de que a VKS [1] não se fazia presente no ar naquela área, a suspeita recaiu no sistema S-400…

O sistema S-400, batizado com muita propriedade de “Triunfo”, é pilar atual da defesa antiaérea da Federação Russa. Possui sensores avançados e três mísseis distintos que entregam grande versatilidade ao sistema. São estes: 40N6 – míssil de alcance ultralongo, 400 km; 48N6 – míssil de longo alcance, 250 km; 9M96-E2 – míssil de médio alcance, 120 km; 9M96 – míssil de médio alcance de geração anterior, 40 km. Acredita-se que foi o modelo 48N6 o responsável pelo abate, pois a bateria então localizada na Bielorrússia, às margens do Pripyat [2], distava 150 km de Kiev. Uma vitória fácil para um sistema sabidamente bom, que agora exibe o selo de “testado em combate”. Não há estranhezas quanto ao sistema russo, mas sim quanto a missão do Coronel Okasanchenko: o que fazia ele nos céus de Kiev? Uma PAC? PAC – Patrulha Aérea de Combate: é uma patrulha efetuada por uma, ou mais aeronaves, sobre uma determinada área geográfica, que detenha valor estratégico, ou tático, que necessite proteção por ser um objetivo óbvio ao inimigo e que exige, por isso, proteção na zona de combate. Pois bem… Em um cenário em que os céus estão dominados por sistemas antiaéreos de área, efetuar uma patrulha aérea de combate é um contrassenso. É pedir para que a aeronave seja destruída, tal como foi verificado. Existe a especulação de que a presença no ar do Coronel Okasenchenko se dava para haver cobertura para a retirada da capital do governo ucraniano, que se deslocaria por terra. De fato, Volodimyr Zelensky, comediante que representa o papel de presidente da Ucrânia, desde então, aparece sempre em um ambiente fechado, aparentemente exíguo, de fundo azul, com vestes amarrotadas e semblante cansado, levando a se pensar que se encontra em um local improvisado, um bunker fora de Kiev. Isso é uma especulação, no entanto, que carece de confirmação.

A presença do sistema S-400 é uma das explicações para as reiteradas recusas da OTAN para atender as súplicas de Zelensky e da mídia em criar uma “No – Fly – Zone” (zona de exclusão aérea) na Ucrânia. Os outros motivos atendem pelas siglas Su-35, Su-30M e Su-57… Os russos cobriram o campo de batalha com sistemas de proteção de área, que vão dos sistemas de curto alcance, como o Pantsir S1, o TOR M2, passando por sistemas de alcance intermediário BuK-M2 e chegando aos sistemas S-300 e S-400. Arriscar vetores contra tais sistemas seria insano, além de anedótico, afinal esta não é propriamente uma guerra da OTAN [3], ademais, melhor ver a guerra se desenrolar e lutar por ela até o último ucraniano, o que faz entender o motivo de tanto se ventilar a entrega de caças MiG-29 poloneses para a Ucrânia: caças estes que vão decolar para serem abatidos, pois o espaço aéreo ucraniano está pesadamente saturado de emissões eletromagnéticas e conta com vigilância AEW fornecida pelos Beriev A-50… Então, os pilotos da OTAN com seus preciosos vetores não vão lutar nesta guerra, mas os descartáveis pilotos ucranianos e os velhos MiG-29 podem ser sacrificados, afinal… É a guerra deles!

Assim, o que temos em mãos é o desperdício de vidas, que serão certamente encaradas como atos de heroísmo. Ridículo, como tudo que a Ucrânia demanda nesta guerra. Reviver a “Ucroluftwaffe” [4] em nada mudará o atual cenário, apenas oferecerá à VKS oportunidades de elevar scores… Nada mais, nada menos. É esperar e ver.

Notas:
[1]:
VKS Vozdushno-Kosmicheskiye Sily, (Força Aeroespacial da Rússia).

[2]: Pripyat – Rio que é afluente do Dniepper, corre da Bielorrússia para a Ucrânia, tem 710 km de extensão.

[3]: OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte:aliança militar de cunho agressivo que engloba países da Europa Ocidental, Central e os EUA.

[4]: Ucroluftwaffe – Termo popular utilizado para se referir à Força Aérea Ucraniana, possui tom nitidamente jocoso e faz alusão explícita à Força Aérea Alemã da Segunda Grande Guerra, “Luftwaffe”.